sexta-feira, 1 de agosto de 2014

TRISTES PERDAS PARA A LITERATURA

PERDAS LITERÁRIAS
José Neres


Juan Gelman
                O ano de 2014 vem sendo extremamente cruel para com as letras. Mal passamos da primeira metade do ano e já temos motivo para lamentar o passamento de diversos escritores. Como nem todos os autores falecidos faziam parte do chamado cânone literário, algumas mortes não tiveram cobertura da imprensa, mas mesmo assim tiveram a ausência sentida por parte dos admiradores de suas obras.
Gabriel García Màrquez
                Logo no início do ano, faleceu o poeta argentino Juan Gelman, homem que viveu na pele os horrores da ditadura e transformou o próprio sofrimento e a ausência dos entes queridos em versos de excelente qualidade. Outro nome de ressonância mundial que também fisicamente se calou foi o do colombiano Gabriel García Márquez, o criador do universo mágico de Macondo e ganhador do prêmio Nobel de Literatura. O sofrimento do autor de Cem Anos de Solidão foi amplamente divulgado e sua morte causou comoção entre seus leitores e o público em geral.
              
João Ubaldo Ribeiro
  A literatura nacional perdeu também alguns escritores de grande importância. De um dia para outro, perdemos o talento narrativo de João Ubaldo Ribeiro e o pensamento crítico de Rubem Alves e da poesia de Ivan Junqueira. O primeiro era conhecido por seus contos e romances extremamente bem elaborados e carregados de humor, de fina ironia e de densidade social. Livros como Viva o Povo Brasileiro, Sargento Getúlio e A Casa dos Budas Ditosos são bastante populares e inscreveram o autor na constelação dos grandes romancistas brasileiros.
               
Rubem Alves
Rubem Alves por sua vez foi um dos mais marcantes educadores do Brasil. Um pensador na melhor acepção da palavra, sempre preocupado com os rumos da educação no Brasil e com as relações entre a aprendizagem e o bem-estar físico e mental. A obra desse educador, embora já seja bastante apreciada, ainda precisa ser mais estudada e analisada, para que sua essência seja posta em prática.
             
Ivan Junqueira
   Ivan Junqueira, poeta e crítico literário, dono de grande erudição e de uma verve poética inigualável, soube transformar tudo o que tocou em poesia, uma poesia viva e que transbordou as fronteiras do eu para banhar-se nas águas da universalidade. Junqueira partiu depois de prestar relevantes serviços à cultura brasileira, seja pelo talento poético, seja pelo senso crítico que lhe permitiu ser reconhecido ainda em vida como um dos grandes nomes das letras brasileiras modernas.
               
Ariano Suassuna
Nem bem os amantes da literatura se recuperavam do choque causado pela morte dos escritores acima citados, os jornais anunciam o falecimento de Ariano Suassuna, um dos mais populares autores da literatura contemporânea brasileira. Reconhecido como um dos gênios das letras nacionais da metade do século XX e início do século XXI, Suassuna deixou-nos obras que acabaram imortalizadas no imaginário do povo, mesmo daquelas pessoas que não tiveram acesso a seus livros, pois muitos de seus trabalhos foram adaptados para a TV e para o cinema, como é o caso do Auto da Compadecida, um dos grandes sucessos da dramaturgia nacional.
               
No Maranhão também diversas perdas foram sentidas neste ano. A começar pelo historiador, contista e cronista Wilson Pires Ferro, que logo no primeiro mês cumpriu sua jornada no mundo terreno, deixando-nos como herança livros como Quando eu era Pequenino e Depois que o Sol se Põe.
           
José Chagas
     Outro passamento bastante sentido foi o do cronista e porta José Chagas. Reconhecido ainda em vida como um dos maiores literatos do Maranhão e muito apreciado por seu público, seja por sua prosa, seja por seus versos magistralmente construídos, Chagas será eternamente lembrado por livros como MaréMemória e os Canhões do Silêncio, duas obras de extrema qualidade técnica e que demostram um escritor maduro e consciente de seu papel como formador de opinião, sem abrir mão da arrojada tessitura poética.
               
Ubiratan Teixeira
Ubiratan Teixeira, jornalista, teatrólogo, cronista e ficcionista, foi outro nome que deixou um vazio em nossas letras. Dono de um estilo inconfundível que privilegiava as classes menos abastadas da sociedade, denunciando as mazelas sociais e dos descasos para com a cultura do Estado, o Velho Bira, como também era conhecido, imprimiu suas digitais nas letras não só do Maranhão, mas de todo o Brasil, ao produzir livros como Vela ao Crucificado e o Dicionário de Teatro, obra indispensável para quem aprecia as artes cênicas.
               
Menos conhecido do grande público, mas admirado pelos amantes das letras, o prosador Ariel Vieira de Moraes também partiu neste 2014. Mesmo fisicamente distante do Maranhão há vários anos, a obra de Ariel deve ser considerada como uma das mais sólidas de nossa literatura. Livros como O Anjo Modernista, Na Hora de Deus – Amém e A Cobra Divina são verdadeiras obras-primas de um autor que ainda teria muito a oferecer para nossa cultura.
                Essas perdas são irreparáveis. Mas fica o consolo de saber que esses intelectuais em muito contribuíram para que nosso universo fosse mais belo, mais poético, mais suave e infinitamente mais cheio das ricas alegorias criadas por esses homens iluminados com o dom de transformar ideias em palavras, em magia e em vida.
                Nosso muito obrigado a todos eles.


terça-feira, 13 de maio de 2014

LETRAS VIVAS: JOSÉ CHAGAS
José Neres


            As letras maranhenses contam com alguns monumentos literários que poderiam ser mais divulgados e que têm qualidades literárias suficientes para serem admirados em qualquer lugar do Brasil ou mesmo do exterior. Infelizmente, a falta de uma divulgação mais efetiva, de uma distribuição profissional das obras aqui editadas e de uma crítica especializada que leia e comente os livros com base em critérios mais teóricos que emocionais faz com que talentosos nomes que poderiam ser destacados nacionalmente acabem ficando restritos às nossas terras ou que não sejam conhecidos nem mesmo no rincão natal.
            Escritores como João Mohana, Bandeira Tribuzi, Ribamar Galiza, Fernando Moreira, Arlete Nogueira da Cruz, Aurora da Graça, Luís Augusto Cassas, José Ewerton Neto, Nauro Machado e Waldomiro Viana entre outros, poderiam ter seus trabalhos comercializados em âmbito nacional por grandes editoras, com suas produções sendo discutidas em escolas e academias, mostrando ao mundo valores que às vezes são esquecidos. Outro nome que mereceria um espaço maior para seus trabalhos é o poeta e cronista José Chagas, um dos mais talentosos e inventivos escritores da metade para o final do século XX e início do XXI.
            Nascido na Paraíba, mas radicado no Maranhão desde tenras datas, José Francisco das Chagas, ou mais simplesmente José Chagas, é o tipo de escritor que encanta e desorienta o leitor das primeiras às últimas páginas de seus livros. Mestre na arte de transformar meras palavras em obras de arte, o Poeta consegue transformar aparentes banalidades em versos de grande intensidade poética e carregados de metáforas que estão a serviço não apenas de uma estrutura formal, mas sim de um conteúdo que se desenvolve ao longo das páginas de seus diversos livros.
            José Chagas emprega em seus poemas as mais diversas formas literárias, desde os versos minuciosamente metrificados até aqueles em que a criatividade cede lugar à rigidez estrutural. Não importando a técnica utilizada, os poemas do autor de Os Telhados trazem sempre um apurado senso estético e uma criticidade que vai além daquilo que pode ser esperado em poemas que nem sempre buscam destrinçar a carga social de um povo ou de uma época.
            Muitos são os temas desenvolvidos por Chagas em seus versos, entre eles estão os relativos à infância, ao tempo, à cidade que o adotou como filho, à memória e às mazelas sociais que assolam o mundo. Diante de um quadro em que simples sussurros poderiam não surtir os efeitos desejados, o poeta solta a voz em versos altissonantes que muitas vezes fundem lamentos a gritos de revolta. O poeta parece ter consciência de que seus versos não são palavras soltas ao vento e que se perderão nos desvãos do tempo e da memória curta de um povo acostumado a ser violentado em seus direitos e permanecer calado diante das atrocidades de que é vítima. Na obra de José Chagas, as palavras são flores, mas também são armas.
            O silêncio social não faz parte do estro literário desse poeta e cronista que devotou grande parte de sua vida a observar e registrar os flashes de um cotidiano mutante. Seja em prosa, seja em versos, a literatura chaguiana é essencialmente voltada para o ser humano, buscando despertar nos leitores o interesse pelas coisas e pelos fatos mínimos, todavia vitais para as relações do homem com ele mesmo, com os outros e com os demais elementos de seu entorno. O grande interesse do Poeta não está no visível das mudanças circundantes, mas sim no inefável daquilo que parece banal para muitos e que passa despercebido diante dos olhos de quem não consegue enxergar  além das aparências.
            De certa forma, os poemas e as crônicas de José Chagas funcionam como uma espécie de lupa para ampliar detalhes e deixar mais visível um mundo que muitos fazem questão de não ver, mas que jamais deveria ser esquecido, pois é nele que vivemos e é dele que advêm todas as nossas dores, alegrias e angústia. E o mundo, filtrado pelo olhar e pelas palavras de um Poeta do nível de José Chagas, pode ser aterrorizantemente belo...   
(O Estado do Maranhão, 11 de maio de 2014)

sábado, 15 de março de 2014

UMA VAGA PARA ALUÍSIO

            José Neres
(Professor de Literatura)

Imagem retirada da reportagem da Mirante sobre o assunto

             Vários amigos me interpelaram sobre o que eu acho do fato de estarem transformando o
Casarão onde morou Aluísio Azevedo em um estacionamento rotativo. Fico triste, mas não surpreso...
Imagem retirada da reportagem da Mirante sobre o assunto
            É visível o descaso com que foi tratada nossa cidade ao longo dos anos. Vejamos: Os bustos dos escritores foram  e hoje se encontram recolhidos no Museu, sem previsão de volta; a escadaria da rua Humberto de Campos transformou-se em um mictório público; as fontes  são quase propriedade  particular de pedintes e/ou desocupados; nossas praias hoje são receptáculos de dejetos e de esgoto a céu aberto; a Praça Valdelino Cécio foi transformada em um reduto de uso e comercialização de drogas; o busto de Odorico Mendes foi roubado e possivelmente derretido para ter seu material vendido em um ferro-velho qualquer; as ruas são feudos de inescrupulosos guardadores de carro;  o calçamento da cidade é uma grande armadilha para transeuntes de qualquer idade; os casarões históricos estão entregues à própria sorte e às intempéries da natureza; nossas livrarias fecham as portas por falta de consumidores para um produto tido como luxo chamado livro; os becos são lugares perfeitos para assaltos e estupros, etc, etc, etc.
            Dessa forma jamais acreditei que o casarão de Aluísio fosse escapar a essa insanidade que ajuda destruir o que passamos séculos para conquistar. E tudo isso aconteceu e acontece bem diante de nossos olhos...
            Em qualquer lugar do mundo dito civilizado aquela casa seria um museu, um centro cultural, onde a memória e a obra de um dos maiores escritores do Brasil seriam preservadas, apreciadas e estudadas, mas isso não acontece e possivelmente nunca acontecerá.
Chegamos finalmente ao tempo em que o progresso atropela o passado e em que ter uma vaga para estacionar o carro é muito mais importante que conhecer um pouco de nós mesmos de nosso passado.

O pior é que em breve tudo isso será esquecido e nós mesmos, que hoje estamos tão revoltados com esse fato, sorridentes, pagaremos para deixar nosso veículo lá, pois para muita gente, um risco no carro dói muito mais que um arranhão na história.