terça-feira, 27 de novembro de 2012

LENITA ESTRELA DE SÁ


ANA JANSEN: MITO, PERSONAGEM E 
MULHER
José Neres


Fonte da imagem: Capa do livro (divulgação)
Três décadas depois de estrear no mundo do teatro como autora, a contista, poetisa e teatróloga Lenita Estrela de Sá trouxe de volta às prateleiras de nossas cada vez mais escassas livrarias e também às modernas lojas virtuais a terceira edição de seu mais conhecido livro: “Ana do Maranhão”.
Mas o que tem de especial esse livro para que ele resistisse a trinta anos fora das estantes, mas sempre vivo nos olhos e no imaginário dos leitores? Para começar, Trata-se de uma obra que, de uma só vez pode servir para desmistificar duas ideias que fazem parte do senso comum e que nem sempre podem ser comprovadas literariamente. A primeira de que as obras da juventude dos autores são meros ensaios para uma produção mais madura. No caso de “Ana do Maranhão”, de Lenita Estrela de Sá, fica patente que a escritora já demostrava maturidade artística desde sua juventude e de suas primeiras incursões pelas letras. Segundo: o livro também põe em cheque a ideia de que não é possível fazer boa literatura a partir de uma personagem histórica.
      Na peça, a escritora retoma a mítica e lendária figura de Ana Joaquina Jansen Pereira, mulher forte e determinada que entrou para a historiografia oficial como Ana Jansen e para o imaginário popular como Nhá Jança, Nhá Jansen ou Donana Jansen. A emblemática figura de Ana Jansen serviu de mote para diversos estudos como os de Jerônimo de Viveiros e Jomar Moraes ou, mais recentemente, para capítulos de trabalhos de pesquisadores como Henrique Borralho e Luiz Tavares, servindo também para alimentar a  literatura, como no caso do livro “Quem tem medo de Ana Jansen”, de Wílson Marques, ou mesmo o até hoje controverso Ana Jansen, de Ribeiro.
Fonte da imagem: www.estreladesa.com.br
      Mas a Ana Jansen de Lenita Estrela não tem o interesse apenas de resgatar uma figura histórico-lendária, ela humaniza quem é visto como monstro pela maioria das pessoas. A Ana Jansen do livro está tão preocupada com as articulações política quanto com o bolo de macaxeira que está sendo preparado para a família. Ela não aceita as normas vigentes da época de que “Mulher nasceu para parir” e de que “política não é assunto para moça”. Ela tem plena consciência de não deixar de ser mulher por não aceitar ser dominada pela sociedade falocrática da época.
      Recorrendo à técnica do jogo de planos como mudança de cenários e da mescla de seres históricos com criações ficcionais, a autora faz suas personagens avançarem ou recuarem no tempo, compondo uma tessitura que leva a quem lê o livro ou assiste à peça sentir as tramas que eram articuladas nos diversos recintos da cidade.
      As poucas páginas do livro, eivadas de rápidos diálogos que mesclam acurada pesquisa histórica sobre a personagem e o poder criador de alguém que domina a técnica teatral, levam leitor a conhecer um pouco de um polêmico momento histórico do Maranhão e ao mesmo tempo divertir-se com as peripécias perpetradas pelas personagens na defesa de seus interesses.
      As escolhas lexicais e temáticas de Lenita Estrela de Sá não poderiam ser melhores. De forma elegante e coerente, ele humaniza uma personagem de quem muitos sentiam (e sentem) verdadeiro pavor e mostra que, por trás de uma personagem ou de um mito pode haver uma pessoa comum, com todas as qualidades e defeitos que podem levar alguém a perpetuar-se no tempo ou cair no limbo do esquecimento.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

ARTIGO NA REVISTA LÍNGUA PORTUGUESA


Caros amigos, no número atual da Revista Conhecimento Prático Língua Portuguesa (que está nas bancas), publicamos o seguinte artigo que agora disponibilizo para vocês. Vale a pena adquirir a revista para ler também os outros estudos, que estão muito bons.


MUTAÇÕES VOCABULARES

José Neres[1]

            Em uma época quem que mutação é um tema constante nos quadrinhos, nas tevês e nos cinemas, inundando o imaginário de jovens e adultos com a ilusão de poderes além dos limites humanos, a maioria das pessoas, no afã de acompanhar as milionárias produções cinematográficas, esquece-se de que todos nós, diariamente, passamos por pequenas mutações no corpo, no vestuário, nos tratamentos cotidianos e, principalmente, na linguagem.
            Uma língua é um elemento vivo que também evolui e que se transforma a cada minuto. Palavras e expressões que marcam uma geração podem facilmente ser esquecidas na década seguinte. Algumas pessoas se espantam com a velocidade com que o idioma assimila alguns vocábulos e com sua tendência a descartar elementos linguísticos que, à primeira vista, pareciam eternos e imunes às mudanças.
            Mesmo que cause estranheza, essa evolução da língua é parte da eterna necessidade de renovação a que todos estão irremediavelmente atados. Não se trata, portanto, de dizer que uma língua está sendo destruída por seus falantes atuais ou que as “pessoas de antigamente” tinham mais cuidado com o vernáculo, ou, pior ainda, de preconizar que “os jovens estão matando o idioma” cada vez que falam. O que há, na verdade, é uma adequação da linguagem a uma época é às situações impostas pelo próprio cotidiano.
            No entanto, mesmo as pessoas que tentam não recender um ranço de passadismo se veem vez ou outra espantadas com a mutação de algumas palavras que circulam com desenvoltura no vocabulário atual. Em alguns casos, o significado da palavra mutante em nada lembra a essência do estágio anterior da língua. Dessa forma, as mutações vocabulares citadas a seguir podem causar estranheza a quem não observe com cuidado as falas que ecoam nas ruas, nos shoppings e até nas escolas, mas já são bastante familiares aos ouvidos de todos nós.
            O conhecidíssimo ato de NAMORAR de forma descompromissada teve diversas modificações e hoje pode ser encontrado na forma de FICAR, de PEGAR, de PASSAR O SAL e até mesmo de um estranhíssimo ESPOCAR, que suscitam frases interessantes como: “Estou espocando uma mina de tua rua” ou “Já passei o sal em tua prima”. Tudo muito romântico!
            Acompanhando esse ritmo moderno, o namorado e namorada, que outrora eram apresesentados à familiares e amigos como sendo apenas mais um amigo ou amiga mais querido/a, hoje assumem a forma de NAMÔS, FICANTES ou PEGUETES, e quando o rapaz se vê em uma situação indecisa entre o namoro é um compromisso mais sério passa a ser identificado pelo círculo de amizade como o NAMORIDO da garota.
            As adolescentes compartilham suas preocupações, anseios e segredos com sua BFF (Best Friend Forever), ou seja, com sua melhor amiga e não dizem mais que algo é bastante popular ou que faz sucesso, mas sim que TÁ BOMBANDO. O que torna um diálogo entre jovens, ou melhor, entre TEENS quase indecifrável para quem não tenha conhecimento dessa codificação linguística.
            O sempre educado DESCULPE-ME está praticamente fora de uso e em seu lugar surge o enigmático FOI MAL, quase sempre dito de modo vago e com uma entonação arrastada que se prolonga no vazio do tempo.
            Outra palavra que vem perdendo terreno no dia a dia é OBRIGADO, que, depois de décadas e mais décadas brigando para ter sua forma feminina usada de acordo com a norma culta, agora se vê definitivamente sufocada pelo sisudo VALEU.
            Alguns profissionais vem substituindo os tradicionais SIM SENHOR, SIM SENHORA e POIS NÃO pela expressão NA HORA, dita de forma efusiva, deixando bem claro que a clientela será atendida com rapidamente.
            Estruturas solidificadas como TCHAU, ATÉ LOGO, ESTOU INDO e VOU-ME EMBORA praticamente fundiram-se em uma forma extremamente contraditória e direta. Um simples, rápido e sintético FUI resolve todos os problemas sem precisar de explicações ou das convencionais despedidas.
            Atualmente, poucos são os que convidam os amigos para um ANIVERSÁRIO, pois é mais prático convidá-los para o NÍVER, de preferência com poucas pessoas, para evitar gastos desnecessários e com uma vela em forma de interrogação, para preservar a discrição sobre a idade do dono da festa.
            Alguns pequenos cacoetes da fala não se contentaram com as visíveis mutações, mas também se acasalaram e trouxeram à luz o famigerado TIPO ASSIM, que nada acrescenta à praticidade discursiva, mas que serve para enfeitar o vazio conteudístico de tanta gente que adora falar, mas que pouco tem a dizer.
            A relação é longa poderia se estender por páginas e mais páginas, pois em uma era de comunicação instantânea em que primos viram plimos (ou pliminhos) na internet, mutações como V6 (vocês), 4ever (do inglês forever/para sempre), ctz (com certeza), qq (qualquer), vlw (valeu) começam a fazer parte do cotidiano dos falantes da língua e tendem a evoluir para outras formas ainda mais cifradas. Resta então a cada pessoa aprender a conviver com esses mutantes de maneira harmônica ou então viver em um quase isolamento linguístico.
            Mesmo com algumas pessoas revoltadas com essas mudanças, não adianta abrir guerra contra essas mutações, elas fazem parte da evolução da língua e, com o passar do tempo, umas desaparecerão, algumas poderão se integrar definitivamente à língua e outras sofrerão novas mutações, fazendo com que as pessoas de hoje considerem muito estranho o vocabulário usado em um futuro muito próximo.


[1] Mestre em Educação pela Universidade Católica de Brasília. Professor da Faculdade Atenas Maranhense – FAMA. E-mail: joseneres@globo.com