segunda-feira, 16 de abril de 2012

CRÔNICA DE CERES COSTA FERNANDES

A pedido da professora e escritora Ceres Costa Fernandes, reproduzimo aqui sua crônica FOGO OU PARANOIA, publicada em O Estado do Maranhão em 15 de abril de 2012.


                             FOGO OU PARANÓIA 2
                         Ceres Costa Fernandes
                            O Estado do Maranhão, 15 de abril de 2012

               Não sei bem quando a paranoia de morrer queimada em um grande incêndio começou. Mas, com certeza, foi há bastante tempo. A paúra já estava em ação, quando minha filha mais velha, esportista tricampeã  do Colégio Dom Bosco, esforçada e valente, acumulava luxações e dores lombares e decidimos apelar a um famoso quiroprático visitante, venerável senhor, que atendia em casa de família amiga. Isso, seja dito,  após tentarmos os protocolos normais da medicina.
          Durante a sessão de desentorta, sem mais o quê, repentinamente, o profissional dirige um olhar ao fundo dos meus olhos e declara, sentenciosamente: A senhora tem mais de quatro mil anos!  Indignei-me, mulher nenhuma aceita uma sentença tão desfavorável sobre sua idade, ainda mais que, na época, eu ainda era jovem. Ele, sentindo o meu desconforto, explicou. Isso se deve ao fato de que a senhora já reencarnou muitas vezes. Campainhas soaram nos meus ouvidos, vai ver que meu medo de fogo vem de vidas passadas! Apresso-me em perguntar: em alguma vida passada morri queimada?  
     Preparo-me para a resposta.  Quem sabe eu teria sido Joana d’Arc ou uma das bruxas de Salém Ou, talvez, matrona romana, tenha torrado no incêndio de Roma imputado a Nero, ou mesmo no grande incêndio de Londres, o do século 17  – nem pensar em  aceitar reencarnar em papéis insignificantes na história da humanidade. Ele me diz, Não sei, não tenho acesso a esse tipo de informação. Murchei. Fiquei sem saber, mas desconfio que andei metida, sim, em algum incêndio em uma das minhas reencarnações.
      Se não, como explicar que, em todos os ambientes que adentro pela primeira vez, vou logo observando os aparatos contra incêndios: se há chuveirinhos no teto, extintores à mão, janelas prontas para um pulo, onde se situam as portas corta-fogo, as saídas de emergência, etc. E. ai, meu Deus, me preocupam ainda os tapetes e o excesso de cortinas; se o piso é de lajota ou de madeira...
       Os hotéis, esses aí, especialmente os europeus, os antigos, tão pequenos e graciosos, com escadas forradas de tapetes, paredes de tecido e piso encarpetado, me deliciam e me assustam. Estive em mais de um em que os corredores pareciam túneis de tecido. Nesses – além das providências já mencionadas –, não fico acima do quinto andar e, isso, só após conferir a quantidade de lençóis do quarto e me certificar se o comprimento deles – feita uma “teresa” –, dá para escapar pela janela dos fundos;
     Que me desculpem os felizes desavisados não atingidos por essa fobia, mas os meus companheiros de infortúnio me entendem e darão razão.
    Em vista do que foi dito, vou confessar-lhes o que muitas vezes me ocupa a mente em suas horas vadias (as tais da insônia nas madrugadas ou as da prisão em engarrafamentos): o crescimento vertical de São Luís. Faz pouco tempo, tínhamos apenas três edifícios na cidade antiga: o João Goulart, o Caiçara e o Edifício BEM. Agora, na cidade nova, o que se vê são muralhas de prédios. Com a liberação do gabarito – o céu é o limite –  temos prédios de quinze andares, sem contar os andares com salão de festas, garagens, academias e outros mimos. Espero que todos esses estejam equipados com tudo o que há de mais moderno em prevenção de incêndios, quem sabe até heliportos.
      Tentando fugir dos assaltos, nutro pretensões de me mudar de casa para um apartamento, a contragosto de toda a família, seja dito.  Seguindo a minha paranoia e para não sair da frigideira e cair no fogo – sem trocadilhos –, decidi me informar sobre as condições do nosso valente Corpo de Bombeiros. Não quero assustar ninguém, mas creio que a briosa guarnição não está suficientemente equipada para o atendimento desse crescimento vertiginoso de edifícios. Segundo colhi, as nossas escadas Magirus (duas) alcançam somente 30 e 36 metros, a altura de um edifício de mais ou menos sete andares, menos os andares extras de festas, garagens, jogos. Parece haver seis carros  em ação. Em um incêndio que devastou uma loja de 1,99, na COHAB, soube que a mangueira não funcionou.
   E os hidrantes? Dizem que há 80. Alguém sabe onde se encontram? Aqui, no Olho d’Água, nunca vi nenhum. Soube que há alguns no aeroporto do Tirirical. No Centro Histórico, conheço vários, não sei se ainda funcionam. Outro problema é que lá acontecem muitos dias sem água, digamos assim.
    Feitas as contas, acho que um apartamento até o quinto andar, com hidrante perto, janelas com sacadas grandes, rua larga de trânsito fácil (!) para o acesso dos carros de bombeiros, vai bem. Mesmo com esses requisitos, pretendo levar para lá escadas de corda, ganchos de ferro e outros equipamentos que tais. Talvez até um parapente...Aceito sugestões.
ceresfernandes@superig.com.br

Um comentário:

  1. Ceres achei interessante o que escreveu sobre a sua fobia e ao mesmo tempo a crítica sobre uma cidade que em número de edificios cresce acelerademente e quase tudo sem uma estrutura sólida. Que as autoridades competentes mesmo que não tenham "fobias" possam ter respeito por uma população que nem se dá conta da observações que você fez. Parabéns! Margarida Cardoso

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