domingo, 30 de dezembro de 2012

RETROSPECTIVA LITERÁRIA 2012



LITERATURA PELO RETROVISOR DE 2012

José Neres

Quando chega um final de ano, é hora de olhar para trás e ver o que ficou de bom e o que pode melhorar para o ano seguinte. No âmbito literário, se 2012 não foi um ano de grandes surpresas, ele também não pode ser acusado de causar decepções.
O ano praticamente começou e terminou em clima de homenagens. De um lado eram comemorados os 400 ano de fundação da capital maranhense, com direito a lançamentos e relançamentos de livros, saraus literários, encenações de peças teatrais (originais ou adaptadas de outros textos literários) e muitos outros eventos que valorizaram o aniversário de São Luís. Do outro lado, em uma louvável iniciativa da Academia Brasileira de Letras, o ano de 2012 foi também dedicado ao bicentenário do jornalista, publicista e escritor João Francisco Lisboa.
Grande parte do cenário literário do ano foi ocupada pelo genial autor do Jornal de Tímon, que teve sua obra comentada, debatida, estudada e revisitada por diversos intelectuais, como, por exemplo, Jomar Moraes, Antônio Martins de Araújo e Sálvio Dino. Em eventos sempre com bom público, a AML trouxe de volta às prateleiras o livro “Notícias acerca da vida e da obra de João Francisco Lisboa”, de autoria de Antônio Henriques Leal e, na mesma data, além de inaugurar uma placa alusiva ao escritor, também, em parceria com a Editora do Senado, também relançou o volume “O Tímon Maranhense”, de Arnaldo Niskier e, para fechar as homenagens, foram entregues a diversas personalidades a medalha do bicentenário de João Francisco Lisboa.
O ano acadêmico foi de perdas e de ganhos, como sempre acontece. Houve o falecimento do jornalista Neiva Moreira, mas também a posse de Antônio Carlos Lima e de Natalino Salgado, bem como a eleição do Luiz Phellipe Andrés, além de diversos eventos.
No decorrer do ano, outras iniciativas merecem destaque. É o caso do Café Literário, promovido pela Secretaria de Cultura do Estado, sob o comando da escritora Ceres Costa Fernandes. Aos poucos, o público, formado principalmente por escritores, estudantes, professores e pesquisadores, foi se acostumando a, na última terça-feira de cada mês, ouvir os relatos de alguém voltado para as letras. Nomes como Joaquim Haickel, Zelinda Lima, Joila Moraes, Hidelberto Barbosa Filho, Nauro Machado, Inaldo Lisboa e Ubiratan Teixeira, entre outros, abrilhantaram o evento, que começou tímido em suas primeiras edições, mas que agora está solidificado no calendário cultural do Estado.
Outro projeto que também merece ser lembrado é o Papoético, idealizado e levado à prática pelo professor e poeta Paulo Melo Souza. Além de conversas informais sobre artes em geral, palestras e lançamentos de livros, ainda houve a realização do 1º Festival Papoético de Poesia, que teve como grande vencedor o poeta Rodrigo Pereira, com o poema “Ante o espelho”. O evento movimentou as noites de quinta-feira na cidade.
O Instituto Geia continuo na sua missão de levar a literatura às pessoas, seja por meio do já tradicional Festival de Literatura que acontece em São José de Ribamar e que, em 2012, contou com a participação especial da historiadora Mary del Priori, seja com o lançamento e relançamento de livros essenciais para a identidade do povo maranhense, como foi o caso, nesse de O pecado da Gula (Zelinda Lima), A Ilha e o Tempo (Luiz Tavares) e Teatro Escolhido de Fernando Moreira (organizado por Ubiratan Teixeira).
Há de se destacar também o grandioso prêmio recebido pelo crítico e ensaísta Ricardo Leão, que conquistou um dos mais importantes prêmios concedidos pela Academia Brasileira de Letras. Premiados em outros eventos tivemos também José Ewerton Neto e Ferreira Gullar.
Foram muitos os lançamentos de livros realizados durante 2012. Alguns tiveram concorridas sessões de autógrafo, outros ficaram apenas nos círculos de amizade dos autores. Mas o futuro irá lembrar-se da qualidade dos textos e não da quantidade de pessoas presentes ao evento. Vale destacar então alguns livros.

 Memória dos Porcos (Ronaldo Costa Fernandes) o ótimo livro de poemas que leva o leitor a refletir sobre cada página, sobre cada verso.
 O Perdedor de Tempo (Dyl Pires) – Os poemas mostram um amadurecimento temático da poética desse grande escritor e ator maranhense.
 Contos, Crônicas Poemas e outras Palavras (Joaquim Haickel) - Uma mistura de diversos gêneros em um único livro. Bons textos e boa produção gráfica.
Poema da Diferença (Sonia Almeida) – Neste livro a autora mostra uma nova faceta de sua produção literária o jogo metafórico que une o concreto e o abstrato da nossa passagem pelo mundo
Província – O Pó dos Pósteros (de Nauro Machado) – Reunião de diversos artigos de Nauro Machado, todos escritos em um estilo fluido e envolvente.
O Rio (de Arlete Nogueira) – O novo livro de Arlete Nogueira comprova que ela é uma das maiores escritoras de nossas letras.
Pérolas ao tempo (de Rosemary Rêgo) – Menos introspectivo que o anterior, o livro traz uma escritora mais madura e consciente do fazer poético.
Marcas Indeléveis (de Ahtange Ferreira) – Usando o receituário do best-seller, a estreante escritora traz a luta de uma mulher por dias melhores.
Tear (de Quincas Vilaneto) – Excelente livro de poemas. Mistura metalinguagem e visão particular dos ambientes retratado.
A Poesia sou Eu (obra completa de Luís Augusto Cassas em 2 volumes) – essencial para quem deseja mergulhar na produção desse poeta. Além dos livros, traz uma fortuna crítica que auxiliará leitores e pesquisadores da obra de Cassas.
Entre Viana e Viena (Lourival Serejo) – Ótimo livro de crônicas. Nesse livro, Serejo mostra que há múltiplas formas de retratar um evento que às vezes parece ter importância apenas para o cronista, mas que pode abarcar a todos.
Bastidores (Ubiratan Teixeira) – Livro que traz um pouco da movimentação teatral do Maranhão nas últimas décadas.
Ana do Maranhão (Lenita Estrela de Sá) – Relançado trinta anos depois. Esse livro é um marco no teatro maranhense.
Teatro Escolhido de Fernando Moreira – O Instituto Geia e o escritor Ubiratan Teixeira fizeram um grande serviço à literatura trazendo á luz esse importante volume com a obra de um escritor hoje esquecido

 algo que também deve louvado é a fundação ou fortalecimento de academia de letras municipais, como a Paçoluminense, a de Caxias, A Sambentuense, a Imperatrizense e tantas outras que vêm se fortalecendo ano após ano. Com isso, esperamos, haverá uma maior divulgação de valores locais e de suas obras.
Alguns eventos, como o Salão de Livros de Imperatriz (Salimp) e A Feira de Livro de São Luís, ganharam similares, como é o caso o do Salão do Livro de Coelho Neto e das diversas pequenas feiras de livro que foram realizadas durante o ano. E a Capital maranhense ganhou também uma livraria de bom porte em um de seus shoppings, além da livraria Resistência Cultural, que vem ganhando espaço aos poucos. Um avanço para uma cidade que viu diversas livrarias fechando as portas nos últimos anos
Outra iniciativa interessante foi a de alguns escritores de optarem pela publicação de seus livros de forma alternativa, principalmente na internet, como fizeram o professor João de Deus Vieira Barros, que publicou A Bala na Garganta de forma digital e a maranhense radicada na Alemanha Helena Frenzel, que publicou a coletânea 15 Contos Mais na internet, com a participação dos maranhenses José Neres e Marcos Fábio Belo Matos. Além de blogs voltados para as letras, como é o caso do Maranharte, administrado pelo pesquisador Flaviano Menezes.
 Algumas escolas contribuíram para a divulgação da literatura maranhense, convidando escritores e estudiosos das letras para encontros e palestras. Isso foi um marco significativo neste 2012 e certamente terá reflexos em um futuro bem próximo
O principal problema para a literatura maranhense ainda é a falta de divulgação e de forma de escoamento da produção para outros lugares. O livro lançado aqui raramente alcança um público além das linhas divisórias do Estado. As divulgações digitais estão quebrando um pouco essas barreiras, mas ainda falta muito a ser feito. Outro obstáculo é a falta de uma crítica mais atuante no campo das letras. Um livro é publicado e na semana seguinte cai no esquecimento, pois falta um debate mais efetivo acerca do que é produzido aqui. Sem contar que as livraria vem desaparecendo em uma velocidade impressionante.

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

A POESIA DE MARIANA LUZ

OS MURMÚRIOS DE MARIANA
Por José Neres 


            Não é de hoje que as letras maranhenses se ressentem da quase total ausência de uma crítica literária consistente e da falta de um resgate historiográfico dos inúmeros valores que abrilhantam ou abrilhantaram as letras de um estado que já mereceu grandiosos elogios por causa da  produção intelectual de seus inúmeros talentos literários.
            Mesmo hoje, em pleno século XXI, com toda a tecnologia de que dispomos, com os relativos progressos nos métodos de pesquisa e com o hipotético interesse em divulgar as artes e a cultura em geral, o Maranhão ainda se encontra bastante atrasado no que diz respeito à divulgação e aos estudos de suas letras. Não obstante os esforços, às vezes hercúleos, às vezes quixotescos, de alguns pesquisadores como Jomar Moraes, Clóvis Ramos, Carlos Cunha, Rossini Correa e alguns poucos outros, as pesquisas literárias com abordagens mais críticas ainda engatinham em uma terra onde o que não faltam são nomes, obras e temas a serem pesquisados.
            O resultado disso tudo é o quase total esquecimento de alguns autores que muito contribuíram para a formação e para a evolução literária de nossa terra. São inúmeros os nomes esquecidos que clamam por alguém com tempo, conhecimento e disposição para resgatá-los do limbo do ostracismo.
            Um desses escritores que merecem maior atenção por parte dos leitores e da crítica é Mariana Luz, poetisa “de feição simbolista”, como muito bem lembrou certa vez Clóvis Ramos, e que buscava “a arte pura em seus poemas”, como escreveu José de Jesus Moraes Rego, em um dos raros estudos sobre a escritora, mas que também deixou suas contribuições nos campos da prosa e do teatro.
Fonte da imagem:
 http://alvoradanoticias.blogspot.com.br/2011/12/itapecuruenses-notaveis-professora.html
            De toda a não muito vasta obra de Mariana Luz, chegou até nós – principalmente por causa da modesta, mas importante edição de 1990, impressa pelo Sioge –  o pequeno livro de poemas intitulado Murmúrios, uma obra composta por apenas 22 poemas, em sua maioria sonetos.
            Mesmo tentado negar sua condição de poetisa de versos tristes em dois textos dedicados ao poeta Leslie Tavares, em um dos quais chega a afirmar que “para mim tudo é belo e sorridente”, o estro poético da escritora desdiz suas palavras. Basta lembrar que vocábulos como dor, sofrimento, lágrima e cadáver são bastante recorrentes ao longo de seus versos. Poucos são os poemas do livro que não apresentam em sua composição pelo menos uma das palavras supracitadas. Mesmo quando o título aparentemente remete a algo alegre, como é o caso dos poemas “Amanhecer” e “Risos”, o desfecho leva o leitor a uma reflexão sobre a triste condição humana.
            O sofrimento é um dos motes mais contemplados pela autora de Murmúrios. A escritora deixa bem claro em seus versos que só “viveu e sabe dar valor à vida / quem palmilhou a estrada dolorida.” No decorrer do livro, o leitor é facilmente levado a crer na teoria de que bons versos são tirados do sofrimento. Mas fica também a idéia de que a essência do sofrer pode ser disfarçada sob a máscara de uma aparente alegria.
            Em vários momentos, a poética de Mariana Luz remete a uma conexão intertextual com os versos do paraibano Augusto dos Anjos, nem tanto pelo vocabulário carregado de termos científicos, mas, principalmente pelas mensagens recheadas de reflexões sobre a vida e a morte, bem como pelas descrições de cadáveres. Um bom exemplo disso é o soneto dedicado à “Gracinha junto ao féretro de sua mãe”.
            Mariana Luz tem ainda muito a dizer a seus leitores. Uma edição crítica de sua obra seria boa oportunidade de a nova geração conhecer a poesia de uma mulher que, mesmo sem inovações técnicas, soube trabalhar a palavra de forma singular e que soube iluminar nossas letras com a luz e com a  força de seus versos.

terça-feira, 27 de novembro de 2012

LENITA ESTRELA DE SÁ


ANA JANSEN: MITO, PERSONAGEM E 
MULHER
José Neres


Fonte da imagem: Capa do livro (divulgação)
Três décadas depois de estrear no mundo do teatro como autora, a contista, poetisa e teatróloga Lenita Estrela de Sá trouxe de volta às prateleiras de nossas cada vez mais escassas livrarias e também às modernas lojas virtuais a terceira edição de seu mais conhecido livro: “Ana do Maranhão”.
Mas o que tem de especial esse livro para que ele resistisse a trinta anos fora das estantes, mas sempre vivo nos olhos e no imaginário dos leitores? Para começar, Trata-se de uma obra que, de uma só vez pode servir para desmistificar duas ideias que fazem parte do senso comum e que nem sempre podem ser comprovadas literariamente. A primeira de que as obras da juventude dos autores são meros ensaios para uma produção mais madura. No caso de “Ana do Maranhão”, de Lenita Estrela de Sá, fica patente que a escritora já demostrava maturidade artística desde sua juventude e de suas primeiras incursões pelas letras. Segundo: o livro também põe em cheque a ideia de que não é possível fazer boa literatura a partir de uma personagem histórica.
      Na peça, a escritora retoma a mítica e lendária figura de Ana Joaquina Jansen Pereira, mulher forte e determinada que entrou para a historiografia oficial como Ana Jansen e para o imaginário popular como Nhá Jança, Nhá Jansen ou Donana Jansen. A emblemática figura de Ana Jansen serviu de mote para diversos estudos como os de Jerônimo de Viveiros e Jomar Moraes ou, mais recentemente, para capítulos de trabalhos de pesquisadores como Henrique Borralho e Luiz Tavares, servindo também para alimentar a  literatura, como no caso do livro “Quem tem medo de Ana Jansen”, de Wílson Marques, ou mesmo o até hoje controverso Ana Jansen, de Ribeiro.
Fonte da imagem: www.estreladesa.com.br
      Mas a Ana Jansen de Lenita Estrela não tem o interesse apenas de resgatar uma figura histórico-lendária, ela humaniza quem é visto como monstro pela maioria das pessoas. A Ana Jansen do livro está tão preocupada com as articulações política quanto com o bolo de macaxeira que está sendo preparado para a família. Ela não aceita as normas vigentes da época de que “Mulher nasceu para parir” e de que “política não é assunto para moça”. Ela tem plena consciência de não deixar de ser mulher por não aceitar ser dominada pela sociedade falocrática da época.
      Recorrendo à técnica do jogo de planos como mudança de cenários e da mescla de seres históricos com criações ficcionais, a autora faz suas personagens avançarem ou recuarem no tempo, compondo uma tessitura que leva a quem lê o livro ou assiste à peça sentir as tramas que eram articuladas nos diversos recintos da cidade.
      As poucas páginas do livro, eivadas de rápidos diálogos que mesclam acurada pesquisa histórica sobre a personagem e o poder criador de alguém que domina a técnica teatral, levam leitor a conhecer um pouco de um polêmico momento histórico do Maranhão e ao mesmo tempo divertir-se com as peripécias perpetradas pelas personagens na defesa de seus interesses.
      As escolhas lexicais e temáticas de Lenita Estrela de Sá não poderiam ser melhores. De forma elegante e coerente, ele humaniza uma personagem de quem muitos sentiam (e sentem) verdadeiro pavor e mostra que, por trás de uma personagem ou de um mito pode haver uma pessoa comum, com todas as qualidades e defeitos que podem levar alguém a perpetuar-se no tempo ou cair no limbo do esquecimento.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

ARTIGO NA REVISTA LÍNGUA PORTUGUESA


Caros amigos, no número atual da Revista Conhecimento Prático Língua Portuguesa (que está nas bancas), publicamos o seguinte artigo que agora disponibilizo para vocês. Vale a pena adquirir a revista para ler também os outros estudos, que estão muito bons.


MUTAÇÕES VOCABULARES

José Neres[1]

            Em uma época quem que mutação é um tema constante nos quadrinhos, nas tevês e nos cinemas, inundando o imaginário de jovens e adultos com a ilusão de poderes além dos limites humanos, a maioria das pessoas, no afã de acompanhar as milionárias produções cinematográficas, esquece-se de que todos nós, diariamente, passamos por pequenas mutações no corpo, no vestuário, nos tratamentos cotidianos e, principalmente, na linguagem.
            Uma língua é um elemento vivo que também evolui e que se transforma a cada minuto. Palavras e expressões que marcam uma geração podem facilmente ser esquecidas na década seguinte. Algumas pessoas se espantam com a velocidade com que o idioma assimila alguns vocábulos e com sua tendência a descartar elementos linguísticos que, à primeira vista, pareciam eternos e imunes às mudanças.
            Mesmo que cause estranheza, essa evolução da língua é parte da eterna necessidade de renovação a que todos estão irremediavelmente atados. Não se trata, portanto, de dizer que uma língua está sendo destruída por seus falantes atuais ou que as “pessoas de antigamente” tinham mais cuidado com o vernáculo, ou, pior ainda, de preconizar que “os jovens estão matando o idioma” cada vez que falam. O que há, na verdade, é uma adequação da linguagem a uma época é às situações impostas pelo próprio cotidiano.
            No entanto, mesmo as pessoas que tentam não recender um ranço de passadismo se veem vez ou outra espantadas com a mutação de algumas palavras que circulam com desenvoltura no vocabulário atual. Em alguns casos, o significado da palavra mutante em nada lembra a essência do estágio anterior da língua. Dessa forma, as mutações vocabulares citadas a seguir podem causar estranheza a quem não observe com cuidado as falas que ecoam nas ruas, nos shoppings e até nas escolas, mas já são bastante familiares aos ouvidos de todos nós.
            O conhecidíssimo ato de NAMORAR de forma descompromissada teve diversas modificações e hoje pode ser encontrado na forma de FICAR, de PEGAR, de PASSAR O SAL e até mesmo de um estranhíssimo ESPOCAR, que suscitam frases interessantes como: “Estou espocando uma mina de tua rua” ou “Já passei o sal em tua prima”. Tudo muito romântico!
            Acompanhando esse ritmo moderno, o namorado e namorada, que outrora eram apresesentados à familiares e amigos como sendo apenas mais um amigo ou amiga mais querido/a, hoje assumem a forma de NAMÔS, FICANTES ou PEGUETES, e quando o rapaz se vê em uma situação indecisa entre o namoro é um compromisso mais sério passa a ser identificado pelo círculo de amizade como o NAMORIDO da garota.
            As adolescentes compartilham suas preocupações, anseios e segredos com sua BFF (Best Friend Forever), ou seja, com sua melhor amiga e não dizem mais que algo é bastante popular ou que faz sucesso, mas sim que TÁ BOMBANDO. O que torna um diálogo entre jovens, ou melhor, entre TEENS quase indecifrável para quem não tenha conhecimento dessa codificação linguística.
            O sempre educado DESCULPE-ME está praticamente fora de uso e em seu lugar surge o enigmático FOI MAL, quase sempre dito de modo vago e com uma entonação arrastada que se prolonga no vazio do tempo.
            Outra palavra que vem perdendo terreno no dia a dia é OBRIGADO, que, depois de décadas e mais décadas brigando para ter sua forma feminina usada de acordo com a norma culta, agora se vê definitivamente sufocada pelo sisudo VALEU.
            Alguns profissionais vem substituindo os tradicionais SIM SENHOR, SIM SENHORA e POIS NÃO pela expressão NA HORA, dita de forma efusiva, deixando bem claro que a clientela será atendida com rapidamente.
            Estruturas solidificadas como TCHAU, ATÉ LOGO, ESTOU INDO e VOU-ME EMBORA praticamente fundiram-se em uma forma extremamente contraditória e direta. Um simples, rápido e sintético FUI resolve todos os problemas sem precisar de explicações ou das convencionais despedidas.
            Atualmente, poucos são os que convidam os amigos para um ANIVERSÁRIO, pois é mais prático convidá-los para o NÍVER, de preferência com poucas pessoas, para evitar gastos desnecessários e com uma vela em forma de interrogação, para preservar a discrição sobre a idade do dono da festa.
            Alguns pequenos cacoetes da fala não se contentaram com as visíveis mutações, mas também se acasalaram e trouxeram à luz o famigerado TIPO ASSIM, que nada acrescenta à praticidade discursiva, mas que serve para enfeitar o vazio conteudístico de tanta gente que adora falar, mas que pouco tem a dizer.
            A relação é longa poderia se estender por páginas e mais páginas, pois em uma era de comunicação instantânea em que primos viram plimos (ou pliminhos) na internet, mutações como V6 (vocês), 4ever (do inglês forever/para sempre), ctz (com certeza), qq (qualquer), vlw (valeu) começam a fazer parte do cotidiano dos falantes da língua e tendem a evoluir para outras formas ainda mais cifradas. Resta então a cada pessoa aprender a conviver com esses mutantes de maneira harmônica ou então viver em um quase isolamento linguístico.
            Mesmo com algumas pessoas revoltadas com essas mudanças, não adianta abrir guerra contra essas mutações, elas fazem parte da evolução da língua e, com o passar do tempo, umas desaparecerão, algumas poderão se integrar definitivamente à língua e outras sofrerão novas mutações, fazendo com que as pessoas de hoje considerem muito estranho o vocabulário usado em um futuro muito próximo.


[1] Mestre em Educação pela Universidade Católica de Brasília. Professor da Faculdade Atenas Maranhense – FAMA. E-mail: joseneres@globo.com

domingo, 30 de setembro de 2012

ilhavirtual 16

Chega às suas mãos (ou à tela de seu computador, a 16ª edição do Ilhavirtualpontocom.
Para baixá-lo em PDF, clique aqui. ou aqui




 

- Free http://issuu.com" target="_blank">publishing - http://issuu.com/search?q=literatura" target="_blank">More literatura

FESTA DAS LETRAS


ESCOLAS EM DEFESA DAS LETRAS
José Neres

                Muitos se perguntam o que fazer para que os jovens gostem da chamada cultura letrada (poesia, romance, contos, peças teatrais...). As respostas são muitas. E todas elas passam pelas mesmas variáveis: incentivo da família e da escola. Se a família não apoiar o interesse do aluno pela leitura, todo o trabalho da escola vai por água abaixo. Caso a escola também não tenha projetos que levem os estudantes a procurarem as obras literárias, o esforço de alguns pais também não surtirá tanto efeito.
                Nos últimos anos, uma iniciativa que vem dando certo, pelo menos em parte, é a implantação de pesquisas sobre autores (clássicos e/ou contemporâneos) e  culminância das pesquisas com suas apresentações na própria escola ou em espaços públicos. Devidamente atrelada à estrutura curricular da escola, essas ideias, que quase sempre nascem de iniciativas particulares de professores de língua e literatura, quando encontram apoio do corpo diretivo, têm grande chance de se tornarem sucesso. Mas há casos e mais casos em que o professor (ou a professora) se vê ilhado pelo desinteresse das autoridades escolares e a atividade, que poderia ter um alcance muito grande, ficar restrito às quatro paredes da sala de aula.
                Nos últimos meses, assisti a três eventos dessa natureza e que foram além dos limites da escola. Vou me deter mais no último, por se o mais recente. Em abril, fui à Escola Ciências e fui brindado com um belo espetáculo. Alunos de diversas séries falavam sobre escritores da terra. Jomar Moraes, Joaquim Itapary e Ronaldo Costa Fernandes eram alguns dos homenageados. Professores, alunos, coordenação e direção pareciam irmanados no desejo de fazer um evento de qualidade. E conseguiram.
                Em setembro foi a vez do colégio O Bom Pastor, cujos alunos, em uma parte de manhã dedicada às letras, homenagearam alguns escritores contemporâneos como, por exemplo, Bioque Mesito, Marcos Fábio Belo Matos e José Ewerton Neto. Os alunos, comandados pela professora Priscilla Robertha comentaram, discutiram e recitaram trechos dos autores estudados. Tudo com capricho e muita dedicação.
                Nesses dois eventos, participei como convidado e homenageado, o que me encheu de felicidade e da esperança de que, em um futuro próximo essas crianças, adolescentes e pré-adolescentes se tornem leitores e produtores de nossas letras.
                No penúltimo dia de setembro, participei, na condição de pai, da apresentação da VIII Noite Literária, promovida pelo colégio Cenaza, no Teatro João do Vale. Em uma noite de festa para as letras, para a poesia e, principalmente de homenagem às mulheres escritoras, os alunos trouxeram ao palco nomes como Maria Firmina dos Reis, Cecília Meireles, Cora Coralina e Clarice Lispector, além de incursões por outros gêneros que foram dramatizados.
                Os naturais momentos de nervosismo que antecedem os eventos públicos foram aos poucos substituídos pela confiança de um dever cumprido. Os jovens, muitos deles tendo sua primeira experiência no palco vinham ansiosos, não apenas de uma boa apresentação mas também de mostrarem para pais, parentes, colegas e amigos que têm capacidade de enfrentar um desafio dessa envergadura. A cada cena representada, sentia-se o ar de alívio nas expressões dos alunos e também o brilho de satisfação no rosto dos pais, além da certeza do dever cumprido que se estampava no semblante dos membro do corpo diretivo da escola e dos professores presentes.
                As pequenas falhas podem (e devem ser perdoadas) já que ninguém ali era profissional do teatro. Mesmo assim há de se destacar pelo menos três belos momentos: 1) a bela atuação da aluna que fez o papel da cartomante na peça baseada em A Hora da Estrela – ela, de forma brilhante, demonstrou talento e poder de improvisação diante da plateia; 2) O humor negro do rapaz que reproduziu de forma muito competente o vídeo da freira humorista, muito visto na internet – ele soube tralhar muito bem a voz e as pausas necessárias ao andamento do texto; 3) a excelente montagem da vida de Cora Coralina, que faz a junção entre os aspectos biográficos da escritora goiana com partes de suas composições poéticas.
                No final das apresentações, o professor Tarcísio, o mentor do projeto, consciente de que havia inoculado em alguns alunos o gosto pela leitura e pelas pesquisas literárias, pôde respirar aliviado: aquela tarefa estava cumprida e o amor pelas letras mais uma vez se transformava em realização profissional. Fim de festa, mas não de luta em prol das letras.

CAIS DA SAGRAÇÃO NO TEATRO


CAIS DA SAGRAÇÃO NO TEATRO
José Neres


                Na última quinta-feira do mês de setembro, centenas de pessoas tiveram o privilégio de assistir à peça Cais da Sagração, no Teatro Artur Azevedo. Adaptação do livro homônimo de Josué Montello, o espetáculo serviu para dar ao público uma noção geral do que a obra desse grande romancista maranhense.
                Algumas pessoas esperam ver no palco uma reprodução exata do que se passa nas páginas do livro. O que é impossível, pois são duas linguagens diferentes, que utilizam técnicas e estruturas também diferentes. O romance tem cenas que não foram exploradas pela peça, ao mesmo tempo em que algumas passagens da trama teatral ganharam mais projeção no palco que nas páginas do livro.
                Em aproximadamente uma hora e meia, os atores e atrizes reviveram a saga do polêmico mestre Severino, um homem simples, que carrega dentro de si toda uma gama de ideias e preconceitos que hoje podem soar estranhos, mas que representam muito bem a mentalidade do homem rústico do mar, principalmente se levarmos em consideração a época em que se passa a história.
                Na peça, adaptada por Michelle Cabral, o fluxo do tempo, que é uma das marcas do romance, foi explorando com competência, a partir do jogo cênico presente-passado. Um belo exemplo disso foi a transformação de Lourença, que, ao subir na escadaria do porto para esperar a volta de Severino, com um simples jogo e luzes e com a mudança de vestes, remoça e volta no tempo. A partir desse ponto, o que parecia ainda sem sentido começa a descortina-se com clareza aos olhos do público.
                É, aliás, a personagem Lourença (vivida por Diana Mattos) a responsável pelos melhores momentos da peça. Às vezes sem fala, mas com expressivos jogos de olhares e com marcante expressão facial, ela encantou a plateia com a docilidade de uma mulher que, de uma hora para outra, vê sua vida transformada pela noticia de que seu companheiro irá casar-se com uma meretriz da cidade. É Lourença o fio condutor da história. É ela quem acompanha todo o desenrolar do enredo e que vive os melhore e piores momentos da vida das demais personagens.
                Os demais autores se esforçaram para manter o ritmo e mesmo, vez ou outra, cometendo alguns deslizes, não comprometeram o trabalho e souberam dar vida às personagens, fazendo com que o público não se perdesse na trama. Cada um deles deu o máximo de si para viver personagens complexas e que deixavam as páginas do livro para finarem pés no palco.
                O cenário é um caso à parte. Ele demonstra que, mesmo com poucos recursos financeiros, a criatividade pode sobrepujar as dificuldades e trazer ao palco soluções inventivas e a relativo baixo custo, sem perda dos efeitos cênicos e sem prejuízos para o enredo. O cenário, com seus móveis brancos e seus tapumes, ao ser bem utilizado, transformou-se, sendo reutilizado em diversas cenas com objetivos diferentes, o que acabou dando volume ao espetáculo. Quase ao final do espetáculo, antológica cena da embarcação na tempestade, além de demonstrar o bom gosto de cenografia, serviu para elucidar, para quem não conhecia o texto do romance, os acontecimentos norteadores da trama.
                A peça, de modo geral o Cais da Sagração do teatro satisfaz. É um excelente espetáculo que possivelmente terá algumas rebarbas corrigidas em apresentações futuras. Toda a companhia está de parabéns. Se Josué Montello ainda estivesse entre nós, certamente ela seria o primeiro a levantar-se para aplaudir essa bela adaptação de sua obra.
A casa estava quase lotada, para felicidade de todos os amantes do teatro. O público, como sempre, continua com o péssimo hábito de deixar os aparelhos celulares ligados a alto volume, tirando, em alguns momentos a concentração dos atores, mas isso é algo que um pouco mais de atenção e uma pequena dose de boa educação pode resolver.

FICHA TÉCNICA: direção e cenário de Michelle Cabral (atriz e arte-educadora), elenco Cíntia Pessoa, Diana Mattos, Gilberto Martins, Jurandir Eduardo e Ricardo Torres. Figurinos e adereços de Jurandir Eduardo e iluminação de Nina Araújo.

 

terça-feira, 24 de julho de 2012

ILHAVIRTUALPONTOCOM Nº 15

Caros amigos/leitores

Chegamos ao décimo quinto número de nosso informativo virtual. Neste número você terá:
1) Entrevista com o professor e escritor Marcos Fábio Belo Matos
2) Sonetos de Abmael Lopes
3) Homenagem a Antônio Martins de Araújo
4) Poesia de Rosemary Rêgo
5) Artigo de José Neres

Para baixar o informativo em PDF, clique aqui

ou o visualize aqui

terça-feira, 3 de julho de 2012

ILHAVIRTUALPONTOCOM 14

Amigs, disponibilizamos para vocês o 14ª número do ILHAVIRTUALPONTOCOM, com novo aspecto gráfico e sempre muitos textos sobre nossa literatura. Neste número:
- Flaviano Menezes comenta o lançamento da nov edicão de O Guesa
- Irving Selassié traça um perfil biográfico de José Viana
- Entrevista com a poetisa Anna Elizandra
- Poema de Artur Azevedo
- Poesia de Dyl Pires

sábado, 16 de junho de 2012

CURSO COM LUÍZA LOBO

MINICURSO DE ÉPICA NA

LITERATURA BRASILEIRA
(TRANSCRITO DO SITE DA AML)

Pela professora Doutora Luiza Lobo, docente de pós-graduação na faculdade de Letras da UFRJ; da Academia Brasileira de Filosofia; correspondente da Academia Maranhense de Letras.
De 18 a 21 de junho de 2012, das 17:00 às 20:00 horas. Inscrições na Secretaria da Academia: Rua da Paz, n°84 – Centro. Certificados a quem tiver 75% de comparecimento. Taxa de inscrição, R$20,00.
EMENTA: dirigido ao público em geral, e especialmente a alunos do curso de Letras. Objetivo examinar os mais importantes escritores da Literatura Brasileira que escreveram epopeias, tais como Domingos Gonçalves de Magalhães. Será proposta uma comparação entre o Indianismo de Sousândrade os poemas épicos O Guesa, de Sousândrade e Os timbiras, de Gonçalves dias. Com base no conceito de Emil Staiger de que o épico existe como gênero ou como uma característica geral presente também noutros gêneros, será discutido o romance Iracema de José de Alencar, visando a definir da importância da épica cristã romântica neste autor assim como no poema O Guesa

sexta-feira, 1 de junho de 2012

ilhavirtual 13

Está em suas mãos o 13º número do Ilhavirtualpontocom, os seguintes destaques:
- Resultado do I Concurso Papoético de Poesia
- Entrevista com Wilson Martins
- A Faca e o Rio
- Poema de Gonçalves Dias
- Convocação para Projeto Gonçalves Dias
- Curso na Academia Maranhense de Letras


Você pode baixar ou ler em PDF o informativo clicando AQUI, ou expandindo a imagem abaixo.


Boa leitura




segunda-feira, 28 de maio de 2012

domingo, 13 de maio de 2012

CANTANDO NA CHUVA

Durante uma semana, postaremos pequenos poemas ilustrados sobre literatura, música, cinema...
Para começar bem a semana, este poeminha sobre um dos filmes mais bonitos de todos os tempos...


Amanhã teremos outra postagem...

sexta-feira, 11 de maio de 2012

EXPOSIÇÃO: VISITEM

local: Hotel Mar e Sol (em São José de Ribamar)
data: de 12 a 15 de maio de 2012
Artista: Val Prazeres

Venham conhecer o talento dessa artista que leva para a tela e para a alma das pessoas ramalhetes de flores e pétalas de alegria...


terça-feira, 1 de maio de 2012

SONIA ALMEIDA


SONIA ALMEIDA: A ALEGÓRICA PENUMBRA DA PALAVRA

José Neres
Jornal Pequeno - Suplemento Guesa
Novembro de 2011

      A luta com a palavra é algo constante, seja para quem utiliza as diversas linguagens apenas com o intuito de comunicar-se no dia a dia, seja para quem faz da palavra seu objeto de estudo e/ou de trabalho. De modo geral, as pessoas não dão tanta  atenção ao poder que emana das palavras e acreditam que comunicar é a única função que interessa na lide diária com os vocábulos. Mas não é bem assim! Quem faz da palavra sua fonte de trabalho, dores ou prazeres sabe que por trás de cada palavra pode se esconder um universo de significações, um mundo de ramificações que não se esgotam na troca cotidiana de informações. A palavra pode ferir, mas também tem poder de curar. Exalta, mas também intimida. Palavra é vida, é sangue, é abstração, é realidade... é sonho...

      E é dentro dessa atmosfera de limite entre o sonho e a realidade, entre o concreto e o abstrato que se situa o poeta, o ser que tenta tirar das palavras o fluido vital para tentar inocular nas demais pessoas tanto as belezas da vida quanto as agruras e os sofrimentos dos demais seres que nem sempre estão preparados para conviver com o universo das metáforas. O poeta nem sempre tem consciência de que, ao pôr os signos no papel ou na tela de um computador, pode alterar para sempre a percepção de mundo de todos os que virão ler ou ouvir aqueles versos. Por isso as palavras são, além de fonte de prazer é uma ameaça constante  ao poder constituído e forma de transgressão das possibilidades apenas racionais.

      Sonia Almeida, membro da Academia Maranhense de Letras e uma das homenageadas na V Feira do Livro de São Luís, é uma dessas pessoas que todos os dias tenta extrair do cerne das palavras a razão de toda uma existência. Seja como professora de Língua Portuguesa, seja como pesquisadora da linguagem ou como poetisa, ela todos os dias navega nas águas nem sempre calmas das palavras e luta para fixar no papel aquilo que parece tão claro e simples na imaginação. Desde seu primeiro trabalho publicado – Alegorias –, quando a escritora ensaiava seus primeiros passos rumo a uma produção mais madura, Sonia Almeida já demonstrava que a palavra seria seu maior desafio e sua proteção ao mesmo tempo. Já em seu primeiro trabalho, Sônia Almeidachama a atenção para as palavras.



É a palavra que me faz querer.

Hoje escolho a primeira: viagem.

Vou várias vezes. Vestida  de palavras sou agora, de forma incontrolável, esse balão que some nas nuves.

Nua de mim mesma, desapareço para me encontrar.



      Anos depois da estreia, ao publicar Penumbra, livro que foi recebido com grande entusiasmo por Josué Montello, a poetisa, em pleno domínio da linguagem poética, deixava claro que escrever é uma forma de usufruir uma liberdade que ultrapassa os limites corpóreos e alcança a dimensão do inefável. No primeiro poema do livro, o eu lírico diz:



Coloco a palavra na asa do poema

e faço o que mais quero:

vou na asa das palavras,

voo na alma do verso

e, sempre, que preciso,

futuro nas (a)venturas do signo.



      Mas essa relação da palavra com a libertada não se limita ao poema de abertura do livro. Ela permeia o livro, atravessando todo o trabalho como se fosse uma linha invisível a ligar versos e idéias. No poema Libertação, a recorrência de um dístico marca o ritmo dessa interação entre o uso das palavras e o desejo de liberdade.



Lá vem a palavra

Arrastando mais uma liberdade.



Consciente de que o ato de escrever é fruto não só da imaginação, mas também de intensas leituras de autores modelares que são absorvidos ao longo dos anos de contato com os livros, Sonia Almeida faz uma grande homenagem àqueles que sedimentaram seu caminho rumo a uma formação letrada. Desse modo, o poema R(d)eferência é muito mais do que um amontoado de nomes de escritores de títulos de livros, torna-se uma espécie de guia de leitura para quem também deseje mergulhar na mais genuínas águas literárias.

Em Palavra Cadente, livro prefaciado por Lygia Bojunga Nunes, a escritora continua envolvida com a metalinguagem, porém de forma mais contida. Contudo a relação com a palavra continua como um imperativo dos versos. Metaforizando a imagem da lua como reflexo do próprio ser humano que se metamorfoseia ao longo de seus ciclos e, em suas constantes mudanças, interfere na própria natureza, a autora trabalha constante jogos de palavras, com alterações sutis na forma que demandam imensas alterações no significados das palavras. Na leitura de diversos poemas, pesquisadora da Língua não consegue se esconder por trás da poetisa. Uma voz sempre alerta às questões vernaculares aproveita-se da poesia para trabalhar tanto a essência metafórica dos versos quanto as relações semânticas que se alteram com breves permutas de fonemas, como no poema abaixo.

A estrela esclarece

quem vem de encontro,

quem vem ao encontro,

de encontro a mim.



a estrela esclarece

quem vem ao encanto,

vindo contra mim;



quem vem de encontro,

quem vem ao encontro,

quem vem ao encanto,

quem vem contra mim.



A palavra esclarece.



            Em outros poemas a relação palavra-vida toma ares de essência vital para a existência do Ser. Não se entrega ao leitor/ouvinte apenas os versos impressos em uma página. Entrega-se um pouco de quem pôs nas palavras o transpor das emoções para o papel,  como pode ser visto em um dos últimos poemas do livro.



E eu me entrego no verso

quando o meu verso lhe entrego,

porque a palavra é feita dessa vida

mas o que eu faço é uma vida de palavra.

(...)

Porque se eu quiser morrer,

o meu desejo é feito de palavra.

Se eu quiser viver, basta querer

E a palavra faz.



            Em Há Fogo no Jogo, os elementos lúdicos do início do livro são aos poucos substituídos por vigorosas imagens que podem até mesmo confundir o leitor menos atento. O trabalho com a linguagem novamente deixa entrever, pelas frestas dos versos, a professora de Língua Portuguesa em constante trabalho com as armadilhas do idioma. As figuras de linguagem se multiplicam nas páginas e convidam a uma reflexão mais apurada. O leitor tem que ler os versos e também concentrar-se nos aparentes vazios textuais, afinal:



O silêncio é o calar, mas nem sempre o não-dizer.

Da mesma forma que a cinza pode estar quente,

o gelo pode queimar.



Sonia Almeida trabalha em todos os seus livros uma grande alegoria do Ser ou pelo menos da busca do Ser. E essa busca passa não apenas pelo sentir, mas também pelo dizer, pelo pôr no papel as alegrias e angústias do dia a dia. Na obra dessa autora, o crepitar do fogo e das chamas não se perde, ele ilumina palavra cadentes e tira da penumbra o vazio da existência humana.

Para Sonia Almeida, a palavra e o poeta estão imbricados e formam um todo que pode até se esfacelar, mas que não se perde. Como ela mesma declara:



Sob a tutela da palavra,

O poeta se livra.

Sob a condição da palavra

O poeta se escraviza...

Sob o jugo do verso, o poeta se faz.

Sob a servidão do verbo, o poeta é.











OBRAS DA AUTORA

Produção individual

·         Alegoria (prosa poética, 1992)

·         Tribuzi, Bandeira Poética de São Luís (ensaio, 1996)

·         Penumbra (poemas, 1998, com segunda edição em 2003)

·         Palavra Cadente (poemas, 2001)

·         Aula de Redação: uma viagem transdisciplinar (ensaio didático, 2004)

·         Há fogo no jogo (poemas, 2005)

·         Escrita no ensino superior: a singularidade em monografias, dissertações e teses (ensaio acadêmico, 2011)



Produção em coautoria



·         Linguagem

·         Ler para aprender

·         Anotações sobre linguagem