sábado, 5 de dezembro de 2009

UM EXCELENTE PROSADOR

A CORTANTE PROSA DE JOE ROSA
José Neres


É comum ver-se em filmes e/ou documentários a cena em que uma pessoa, deitada em uma cama, apresenta o corpo marcado por linhas que facilitarão o trabalho do profissional encarregado de proceder à cirurgia. Aos poucos, o bisturi rasga o tecido e o sangue aflora à pele. Anestesiado, o paciente parece não sentir a dor e, depois, a ferida é costurada. Em seu lugar restará apenas uma pequena e às vezes imperceptível cicatriz.

Na literatura, há também escritores que conseguem tecer seus textos com a mesma destreza e precisão com que um habilidoso cirurgião faz suas incisões nos corpos dispostos a sua frente. No trabalho de tais escritores, cada linha é um corte; Cada parágrafo, uma sutura. Mas, em muitos casos, a intenção do artista não é disfarçar as cicatrizes sociais, mas sim expô-las. É o que faz, por exemplo, o escritor mineiro radicado no Maranhão, Joe Rosa.

Dono de um estilo que traz as marcas das obras pós-modernas, que prezam pela agilidade narrativa e pelo ritmo cinematográfico, Joe Rosa publicou um volume de poesia intitulado “Nem Tanto”, dois romances: “O Gosto Amargo da Cereja” e “Sol para Quartos Mofados”, além do livro de contos “Um Brinde aos 40”. Em seus livros voltados para a prosa de ficção fica claro que o interesse do autor é fazer um corte com precisão cirúrgica em alguns aspectos da sociedade, usando como anestesia o sarcasmo e boas doses da mais pura ironia.

Em “O Gosto Amargo da Cereja”, o autor traz à cena uma discussão sobre a AIDS. Tal tema, nas mãos de um escritor inexperiente, poderia descambar para um mero panfletismo dogmático e sem profundidade artística. No entanto, Joe Rosa, conduzindo habilmente um enredo que mescla momentos de tensão com situações capazes de levar o leitor a boas gargalhadas, ao mesmo tempo em que alerta sobre os perigos da silenciosa doença, também desmistifica a noção de grupo de risco. Inteligentemente, ele coloca como protagonista um homem culto, com formação superior, casado, heterossexual e detentor de conhecimentos da área médica, mas que, aos se deparar com a ameaça de estar infectado pelo vírus HIV, é tomado pelo Pânico e se envolve em uma rede de mentiras. A mensagem ultrapassa o limite das linhas e das entrelinhas, deixando claro que todos nós podemos passar pela mesma desesperadora situação.

No outro romance, “Sol Para Quartos Mofados”, uma profusão de temas, como velhice, prostituição, adultério, ganância, violência, vingança e religiosidade, gravitam em torno do núcleo narrativo. O autor utiliza uma técnica bastante apurada que o leva a dividir a história geral em dois pólos aparentemente isolados, mas que confluem formando um conjunto bastante harmônico, uma verdadeira bifurcação de micronarrativas desaguando em uma macronarrativa bastante articulada. No final, as partes se encaixam perfeitamente dentro de um sistema que pode parecer estranho para quem não está acostumado com as narrativas mais modernas.

No volume de contos, Joe Rosa não esconde suas influências literárias e também demonstra saber caminhar também pelas trilhas da narrativa curta. Trata-se de um livro bem construído que, à moda de Rubem Fonseca, João Antônio e Plínio Marcos, disseca o cotidiano de pessoas comuns, que buscam um significado para a própria existência.

Não importa o livro escolhido para começar a ler Joe Rosa. Em qualquer um deles os fãs da literatura encontrarão motivos para mergulhar nas outras obras do autor e, quem sabe, se, nesse mergulho, não encontrem a marca de alguma cicatriz do próprio passado.


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