quinta-feira, 5 de novembro de 2009

NOSSA REALIDADE


A PRESENÇA AUSENTE
José Neres




Por um desses inexplicáveis paradoxos que oscilam entre os mais altos graus de criatividade e o extremo senso de oportunismo, acabamos criando em nosso combalido sistema educacional o fenômeno da presença ausente.

A situação pode ser facilmente comprovada em qualquer uma das inúmeras salas de aula dos diversos níveis de educação. Como há muito tempo a figura do professor não é mais essencial para o andamento das aulas, sendo mesmo, em alguns casos, até considerada dispensável ou obsoleta, outro elemento tomou o lugar de honra nas aulas: a folha de chamada, que também atende pelo nome de lista de freqüência.

Em uma sociedade que cada vez mais evidencia a supremacia da certificação em detrimento da comprovação do saber é natural que haja a proliferação de algumas frases estapafúrdias como as seguintes: “Professor, não poderei vir na próxima aula, mas não se esqueça de botar minha presença.”,“Se eu não vier na próxima semana, vou levar falta?”, “Professora, tenho que ir ao casamento de uma amiga. Não posso perder essa festa, mas eu não posso levar falta, viu?”, “Professor! Não é possível! Como é que eu tenho tanta falta? O senhor tem que passar um trabalho para retirar minhas faltas...”, “Professora, já falei com a direção, a senhora tem que passar umas atividades para justificar minhas ausências, pois ganhei uma viagem num concurso e vou passar um mês viajando com meu namorado... Mas não passe nada muito complexo, pois tenho que aproveitar a viagem com meu Love”.

Como se vê, o único fator de importância nas “justificativas” dadas é a certeza da presença na lista de chamada. A preocupação com a aprendizagem, com os assuntos que serão estudados é praticamente nula, ou seja, não importa o que aconteça na sala de aula, desde que o nome do “estudante” esteja devidamente registrado em uma folha de papel.

Há também os casos em que o aluno está fisicamente presente em todas as aulas, mas, como entidade intelectual e participativa, está tão ausente quanto os que, por algum motivo, não puderam (ou não quiseram) comparecer. Geralmente tal aluno aproveita os horários de aula para por as conversas em dia, paquerar as colegas ou ainda para aprender a usar todos os recursos oferecidos pelo aparelho celular recentemente adquirido. Em suma, ele está presente, mas sua vontade de estudar está ausente (e bem distante!).

Não podem ser esquecidas as intermináveis idas ao banheiro, a incontrolável sede (só de líquidos, nunca de conhecimento) que obriga o aluno a sempre sair da aula, os atrasos constantes na chegada e os intermináveis pedidos para sair mais cedo. No caso das universidades e faculdades, há também aquele tipo de “estudante” que se especializa em deixar seus pertences nas cadeiras e sair para aproveitar o tempo pelos corredores ou no barzinho mais próximo. Mas, na hora da chamada, ele, invariavelmente, está lá, falando alto, para marcar sua presença.

Desse modo, o que se nota é que há muitas pessoas ávidas por um título. Algumas delas se matriculam, ou são matriculadas, na esperança, não de uma aprendizagem sólida ou de uma formação consistente, mas sim com o desejo de que suas ausências não sejam notadas e que ainda por cima sejam premiadas com um certificado que comprove sua presença na estatística dos alunos diplomados.

Um comentário:

  1. Parabéns professor Neres,
    Como aluno, posso testemunhar tamanha veracidade em suas observações.Quem dera nós alunos termos outros professores com a percepção tanto do coletivo como do individual, capaz de visualizar quem realmente se interessa em transcender o ensino superior além do diploma.
    Um grande abraço
    Seu aluno Cláudio Veiga.

    ResponderExcluir