quinta-feira, 30 de julho de 2009

EMPRESTE-ME UM LIVRO...

Escrevi este texto há uns dois ou três anos, mas ele continua atual. Basta observar a realidade.


DA ARTE DE PERDER LIVROS

José Neres

A regra é bem lógica e simples. Quer perder livros? Basta dedicar-se a não muito salutar tarefa de emprestá-los.

Um livro, qualquer que seja ele, é tão importante que é capaz de mudar completamente até mesmo a noção de tempo e de espaço. Não! Não estou falando aqui do poder dos livros de levar os leitores para outros tempos ou a paragens alcançáveis apenas pela imaginação. Fala de algo mais real e mais facilmente comprovável.

É o seguinte: quando alguém precisa de um livro, raramente se dirige a uma livraria para comprá-lo. É mais fácil e cômodo pedi-lo emprestado a um incauto qualquer de boa fé. É esse o momento de fazer o teste que passo a descrever a partir desta linha. Basta o dono do livro dizer que só ele sabe onde está o referido título, que mora longe e que só estará em casa a partir das dez ou onze horas da noite. Pronto. Como em um passe de mágica, relógio, convenções sociais e distâncias perdem a importância. Na hora marcada, por mais incômoda que seja; no endereço dado, por pior que seja o acesso a ele, o pedinte estará ali, com um sorriso no rosto, pedindo desculpas pelos inconvenientes, mas deixando bem claro que consultar aquela obra é questão de vida ou de morte. A visita costuma ser rápida, raramente o cidadão aceita passar da soleira da porta, tal é sua pressa.

A segunda parte do teste vem dias, semanas ou meses mais tarde. Uma vez feita a tão urgente consulta, a residência do dono do livro se torna extremamente distante; aquela pessoa que outrora se dispôs a ir a qualquer hora pegar a obra, de repente, não mais que de repente, como diria Vinícius de Moraes, percebe que não deve incomodar as pessoas altas horas da noite, domingos ou feriados tão simplesmente para entregar um mero livro; o número do telefone do proprietário do livro, que foi usado incessantes vezes para lembrar o título exato do volume, como que por encanto, desaparece da agenda do agora tão ocupado pedinte... E o tempo vai passando...

A terceira e última parte do teste vem em um encontro fortuito, quase acidental entre as duas partes. Geralmente, quem está com o livro não toca no delicado assunto e, quando instado a falar sobre uma possível devolução, alega falta de tempo, muito serviço, problemas de locomoção para lugares distantes e conclui dizendo que em breve, assim que sobrar um tempinho, fará uma visita com mais calma, para entregar o precioso objeto, etc, etc, etc.

Pronto. O teste está completo. Os livros, principalmente os emprestados têm o poder de relativizar aos extremos as noções de tempo, de espaço e de prioridade.

O problema desse tipo de comprovação é que ela pode sair muito cara para quem decide investir em uma formação mais letrada. A cada experiência, alguns livros preciosamente raros participam de uma espécie de êxodo bibliográfico sem volta às estantes de origem. Além do valor pecuniário perdido, o amante das palavras escritas percebe aos poucos que os clarões das estantes mostram bem mais que uma hemorragia de celulose, escancarando aos olhos do pobre coitado a perda de anos e mais anos de busca incessante a exemplares raros que aos amados lares nunca mais retornarão.

É... esse é o tipo de arte que precisa ser combatida, antes que transforme benfeitores da palavra em seres egoístas especializados na arte de esconder a sete chaves seus pequenos tesouros de papel.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Carlos Cunha


O GARIMPEIRO DE TALENTOS

José Neres

No Maranhão, ano após ano, dezenas de pessoas encantadas com os laivos poéticos que possuem (ou que julgam possuir) juntam suas economias e, por falta de acesso às grandes editoras, custeiam o sonho da publicação de um livro. A obra quase sempre circula apenas entre familiares e amigos do autor e, em pouco tempo, transforma-se em um monte de volumes esquecidos em um cômodo qualquer da casa.

A dificuldade de divulgar os livros publicados e a indiferença dos escassos leitores são dois dos obstáculos com os quais os escritores devem conviver quando decidem publicar seus primeiros trabalhos. A divulgação na mídia geralmente é mínima e a concorrência do lançamento de livros com outros tipos de diversão é, sem dúvida, desproporcional. Somando-se a isso, temos também a ausência de uma rede de distribuição dos livros, o que acaba transformando o autor em um dublê de autor e vendedor das obras. Além de todos esses entraves, ainda há em nossa terra a falta de uma crítica especializada que se debruce sobre as obras dos autores estreantes. Assim sendo, o livro nem bem é publicado e já se transformou em algo de um passado distante.

Nas últimas décadas, alguns intelectuais decidiram dedicar parte de seu tempo para estudar os valores literários que se dispunham a expor seus trabalhos ao público. Alguns livros conseguiram uma boa projeção, como é o caso de “A Poesia Maranhense do Século XX”, do piauiense Assis Brasil. Outros esforços acabaram caindo no esquecimento e hoje são raramente encontrados até mesmo para pesquisa, como é o caso de “A Atual Poesia do Maranhão”, de Arlete Nogueira e de alguns livros de Clóvis Ramos. Mas quem realmente deve ser visto como grande garimpeiro de talentos nascedouros foi Carlos Cunha.

Além professor, folclorista, poeta, acadêmico e pesquisador Carlos, Cunha foi um incansável defensor das letras maranhenses. Ao longo de décadas, ele se prontificou a estudar criticamente as obras que eram publicadas. Autores que começam a caminhada rumo ao mundo das letras não ficavam no esquecimento e tinham seus trabalhos esmiuçados pelo olhar sempre atento do velho mestre. Desse modo, no livro “As Lâmpadas do Sol”, (de 1980), já é possível encontrar estudos sobre Luís Augusto Cassas, Raimundo Fontenele, Roberto Kenard, Wanda Crisitina e Déo Silva, autores que somente alguns anos depois iriam ter seus nomes projetados para além dos limites da Ilha.

Atento a tudo o que acontecia no campo das letras maranhenses, Carlos Cunha, no mesmo livro, também estudava nomes como Bernardo Almeida, Ferreira Gullar, Bandeira Tribuzi, José Maria Nascimento, Nauro Machado, Oswaldino Marques, Nascimento Moraes Filho, Lucy Teixeira e José Sarney, autores que já eram reconhecidos na época. Em outro livro, intitulado “No Porão da Eternidade” (de 1982), que não é totalmente voltado para a literatura, pois aborda personalidades também de outras áreas, o arguto crítico faz um passeio pela obra indianista de Gonçalves Dias; lembra o passamento de Erasmo Dias e analisa “Canção das Horas Úmidas”, o primeiro livro de poema de Arlete Nogueira da Cruz.

Anos antes, em 1974, o pesquisador maranhense já havia sido aclamado por seu importante trabalho “Poesia Maranhense Hoje/50 anos de poesia”, uma importante antologia de resgate dos poetas de nossa terra. Tais livros hoje são verdadeiras raridades, mas também são fontes para qualquer pessoa que se disponha a estudar a literatura maranhense.

Hoje, alguns anos após a morte do professor/poeta, sabemos que nem tudo o que foi garimpado por ele era ouro de verdade. Mas ele cumpriu com o seu dever de buscar pepitas de ouro onde outros só enxergavam um vazio literário.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

UM AUTOR MARANHENSE

WALDEMIRO VIANA
José Neres
(Professor e Escritor)


Quem não acompanha de perto a produção intelectual dos autores contemporâneos costuma imaginar que nossa literatura vive apenas de um passado glorioso. Quando tais pessoas se referem aos romancistas de nossa terra, costumam citar apenas os clássicos canonizados pelo tempo: Aluísio Azevedo, Coelho Neto, Graça Aranha e, quando muito, chegam a falar em João Mohana, José Louzeiro, José Sarney e Josué Montello. Esses pseudo-conhecedores das letras maranhenses certamente desconhecem alguns prosadores de grande talento que estão publicando, como é o caso de José Ewerton Neto, Ronaldo Costa Fernandes, Bento Moreira Lima, Arlete Nogueira, José de Ribamar Reis e alguns outros que se dedicam à difícil arte da narrativa longa.

Além dos romancistas acima citados, pode – e deve – ser lembrado também o nome de Waldemiro Viana, um dos mais talentosos escritores maranhenses do último quartel do século XX e do início deste novo milênio. Filho do ilustre intelectual Fernando Viana, Waldemiro herdou do pai muito mais que o sobrenome, herdou também o grande talento para trabalhar com as palavras e transformá-las em obra de arte.

Depois de brindar o público com os volteios picarescos do hoje cada vez mais raro “A questionável amoralidade de Apolônio Proeza”, o escritor trouxe à luz seu livro mais lido e mais comentado: “Graúna em Roça de Arroz”, um romance que merece todos os adjetivos elogiosos que já recebeu por parte da crítica. Não há como ler o livro sem se sentir dentro do turbilhão que envolve a vida de Marcolino e Celeste, os dois protagonistas da obra. A cada página, o leitor vai percebendo que as personagens mergulham em um abismo tramado pelo próprio destino e que dali não podem sair sem as sequelas e lacerações que marcarão para sempre seus corpos e suas almas. Capítulo a capítulo, o autor demonstra dominar a técnica narrativa e consegue prender seu público em um labirinto de surpresas capaz de despertar as mais diversas emoções.

As pessoas comuns são o assunto preferido do romancista maranhense. Ele não pretende, em suas obras, mostrar pessoas dotadas de poderes ou características que fujam à compreensão. É da simplicidade do cotidiano que ele retira o mote para suas produções, como pode muito bem ser atestado no bem-humorado “O Mau Samaritano”, obra que permite ser lida de um só fôlego por horas ininterruptas. Partindo de um fato inusitado, porém banal em nosso dia-a-dia, Waldemiro Viana consegue encaixar um bom número de interessantes episódios aparentemente isolados, mas que encontram ressonância no tronco principal da narrativa. Aos pouco, o que era um simples diálogo entre dois desconhecidos ganha dramaticidade e, oscilante entre o humor e perspectiva de uma tragédia, ganha novos e inesperados contornos.

Saindo do âmbito da narrativa, o escritor ludovicense, em seu mais recente livro, “Passarela do Centenário e Outros Perfis”, também prova que é um talentoso poeta. Em 47 sonetos, ele traça um pequeno retrato de seus confrades da Academia Maranhense de Letras e de outras personalidades. O livro pode ser visto com um pequeno álbum, no qual cada poema é um cromo colado na página com a perspicácia de um olhar sempre observador.

Enfim, entre poemas, romances e, certamente, muitos inéditos na gaveta, Waldemiro Viana é um desses homens que dignificam as terras maranhenses com o brilho de suas obras.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

UMA CHARGE


Recebi de minha dileta amiga Elaine Casale esta charge que demonstra muito bem as mudanças em nosso sistema educação e no familiar nas últimas décadas. Creio que a imagem não precisa de comentários.