domingo, 10 de maio de 2009

NOSSA LÍNGUA...

PALAVRAS MUTANTES

José Neres

Em uma época quem que mutantes invadem as telas das tevês e dos cinemas e inundam o imaginário de jovens e adultos com a ilusão de poderes além dos limites humanos, a maioria das pessoas, no afã de acompanhar as milionárias produções cinematográficas, esquece-se de que todos nós passamos por pequenas mutações no corpo, no vestuário, nos tratamentos cotidianos e, principalmente, na linguagem.

Uma língua é um elemento vivo que também evolui e que se transforma a cada minuto. Palavras e expressões que marcam uma geração podem facilmente ser esquecidas na década seguinte. Algumas pessoas se espantam com a velocidade com que o idioma assimila alguns vocábulos e com sua tendência a descartar elementos linguísticos que, à primeira vista, pareciam eternos e imunes às mudanças.

Mesmo que cause estranheza, essa evolução da língua é parte da eterna necessidade de renovação a que todos estão irremediavelmente atados. Não se trata, portanto, de dizer que uma língua está sendo destruída por seus falantes atuais ou que as “pessoas de antigamente” tinham mais cuidado com o vernáculo, ou, pior ainda, de preconizar que “os jovens estão matando o idioma” cada vez que falam. O que há, na verdade, é uma adequação da linguagem a uma época é às situações impostas pelo próprio cotidiano.

No entanto, mesmo as pessoas que tentam não recender um ranço de passadismo se veem vez ou outra espantadas com a mutação de algumas palavras que circulam com desenvoltura no vocabulário atual. Em alguns casos, o significado da palavra mutante em nada lembra a essência do estágio anterior da língua. Dessa forma, as mutantes citadas a seguir podem causar estranheza a quem não observe com cuidado as falas que ecoam nas ruas, nos shoppings e até nas escolas, mas já são bastante familiares aos ouvidos de todos nós.

O conhecidíssimo ato de NAMORAR de forma descompromissada teve diversas modificações e hoje pode ser encontrado na forma de FICAR, de PEGAR, de PASSAR O SAL e até mesmo de um estranhíssimo ESPOCAR, que suscitam frases interessantes como: “Estou espocando uma mina de tua rua” ou “Já passei o sal em tua prima”. Tudo muito romântico!

O sempre educado DESCULPE-ME está praticamente fora de uso e em seu lugar surge o enigmático FOI MAL, quase sempre dito de modo vago e com uma entonação arrastada que se prolonga no vazio do tempo.

Outra palavra que vem perdendo terreno no dia-a-dia é OBRIGADO, que, depois de décadas e mais décadas brigando para ter sua forma feminina usada de acordo com a norma culta, agora se vê definitivamente sufocada pelo sisudo VALEU.

Estruturas solidificadas como TCHAU, ATÉ LOGO, ESTOU INDO e VOU-ME EMBORA praticamente fundiram-se em uma forma extremamente contraditória e direta. Um simples, rápido e sintético FUI resolve todos os problemas sem precisar de explicações ou das convencionais despedidas.

Atualmente, poucos são os que convidam os amigos para um ANIVERSÁRIO, pois é mais prático convidá-los para o NÍVER, de preferência com poucas pessoas, para evitar gastos desnecessários e com uma vela em forma de interrogação, para preservar a discrição sobre a idade do dono da festa.

Alguns pequenos cacoetes da fala não se contentaram com as visíveis mutações, mas também se acasalaram e trouxeram à luz o famigerado TIPO ASSIM, que nada acrescenta à praticidade discursiva, mas que serve para enfeitar o vazio conteudístico de tanta gente que adora falar, mas que pouco tem a dizer.

A relação poderia se estender por páginas e mais páginas, pois em uma era de comunicação instantânea em que primos viram plimos (ou pliminhos) na internet, mutações como V6 (vocês), 4ever (do inglês forever/para sempre), ctz (com certeza) e qq (qualquer) começam a fazer parte do cotidiano dos falantes da língua e tendem a evoluir para outras formas ainda mais cifradas. Resta então a cada pessoa aprender a conviver com esses mutantes de maneira harmônica ou então viver em um quase isolamento lingüístico.

Um detalhe: não adiante abrir guerra contra os mutantes. Eles geralmente são bastante fortes e têm o poder de fazer parecer que tudo está como sempre esteve. Aparentemente, nada muda dentro da mudança eterna.

Um comentário:

  1. Todas as vezes que leio esse artigo,imagino José Neres em uma sala de aula.Não canso de lê-lo por que(desculpem-me os demais admiradores)parece "coisa"escrita para mim.Sempre me identifico.Esse artigo chama-me muito à atenção.Com certeza,se os interneteiros de plantão interessassem-se mais em escrever,escreveriam exatamente do jeito que Neres escreveu.Mas esse dom não ficou para todos.E sorte nossa,ficou pra você.

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