quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

UM CENTENÁRIO ESQUECIDO

Chego a um sebo e fico perdido entre os milhares de livros que nunca poderei ler. Procuro obras raras de autores maranhenses. Passeio entre as estantes. Abro alguns volumes. Leio algumas linhas. Acaricio algumas capas enrugadas pelo uso... Um pequeno livro amarelecido pelo tempo e de aparência frágil chama a minha atenção. Decido comprá-lo.

Na capa rústica, o nome do autor: Carvalho Guimarães, seguido de uma indicação de que ele fizera parte da Academia Maranhense de Letras. Emoldurado por um desenho assinado pelo artista Orestes Acquarone Filho, está o título da obra: Jurema e o Cajueiro.

Em uma falsa folha-de-rosto, deparo-me com um autógrafo do autor, datado de 31 de outubro de 1969. Logo abaixo, um dos possíveis proprietários do livro deixou suas impressões a lápis: “Lido. Por curiosidade. E, sobretudo, evanescentes lembranças do autor!...” Uma assinatura ilegível e a data de 24 de janeiro de 1995 encerram meu passeio pela página inicial da obra.

Manuseando com cuidado o volume, descubro que se trata de uma edição de 1963, impressa no Rio de Janeiro pela Gráfica Tupy. Leio atentamente o prefácio, de quatro páginas, assinado por Maria da Providência (da Associação Brasileira de Imprensa) e sou iluminado com importantes informações sobre o poeta. Descubro sua relação com a cidade de Passagem Franca, seu amor pelas letras e sua importância para o jornalismo escrito na primeira metade do século XX.

Começo a ler o poema. O “Era uma vez” inicial me remete aos velhos e sempre úteis contos de fada, e o encanto dos versos bem construídos levam-me à sombra do velho Cajueiro apaixonado pela Jurema, “outra árvore do sítio, a que ele amava, / E a quem loas teceu num longo poema”. Encanto-me com as divagações do Cajueiro, com seus dias de glória e me entristeço com sua decadência e com a certeza de que seus dias estão em contagem regressiva.

Na segunda parte do belo poema de Carvalho Guimarães, entro em contato com as angústias de Jurema. Ela também, reconhece seu fim próximo, uma morte sem jamais conhecer “o segredo/ Da volúpia de amor dos vegetais” e espera, ao lado do Cajueiro, seu eterno noivo, que se cumpra o destino inexorável das velhas árvores: a derrubada.

Na última página, descubro que o poema foi escrito em Passagem Franca, em 1908 (há um século, portanto). Um belo poema...

Um poema tão centenário quanto o cajueiro e a Jurema. Um poema tão belo como a simplicidade das árvores e tão esquecido quanto elas. Os ramos do texto, em forma de versos, resistiram ao tempo e, mesmo esquecidos, continuam espalhando suas sobras e acolhendo os leitores interessados em conhecer a história de amor entre as duas árvores que há cem anos buscam a realização do impossível final feliz.

Fecho o livro e vêm à minha memória as palavras do professor, crítico e poeta Antônio Carlos Secchin, que certa vez disse que “as noites de autógrafo se transformam em rituais simultâneos de batismo e de óbito de um livro”. Lembro também as sábias palavras de Sebastião Moreira Duarte ao lembrar que “no Maranhão, de tantos valores literários, consegue-se o prodígio de ser publicado e de continuar inédito”.

No fim de tudo, além da beleza e das belas mensagens expressas nas quarenta e três páginas do livro, resta também a certeza de que ainda temos muito o que descobrir nas tão esquecidas letras de nossa fértil literatura...


Fragmento do livro


Era uma vez uma árvore florida,
O robusto cajueiro do sertão.
Que tinha, como a gente, crença e vida,
A crescer e a florir, no coração!

Erguia-se na porta da Fazenda,
Com folhas verdes e amarelos frutos,
O guarda vigilante da vivenda,
Sentinela avançada para os brutos...

Era o boêmio, notívago. Passava,
A noite inteira, ao lado de Jurema, -
- Outra árvore do sítio, a que ele amava,
E a quem loas teceu num longo poema.

Olhava o gado no curral, em frente,
E sentia a delícia de viver,
Cantava toda a noite, como a gente,
Para as mágoas da vida não sofrer,

Mil gerações passaram... sempre ereto,
Aos estranhos pagodes assistia,
No terreiro da casa, o bando inquieto
Dos cantadores dos sertões ouvia.

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