sábado, 26 de dezembro de 2009

Recomendo a leitura


SOBRE BREGANEJO BLUES
José Neres


Uma das coisas boas de nossa literatura atual é a grande quantidade de livros que são publicados mensalmente. O lado ruim disso tudo é a falta de tempo para acompanhar o que está sendo produzido por nossos escritores contemporâneos. Para tentar sanar um pouco desse problema, temos que recorrer às sugestões de quem realmente entende do assunto.

Duas pessoas bastante ligadas às letras me recomendaram, quase ao mesmo tempo, a leitura de Breganejo Blues, do jovem escritor maranhense Bruno Azevedo. Como a recomendação veio nada mais nada menos que de José Ewerton Neto e de Hagamenom de Jesus, não pensei duas vezes antes de entrar na Livraria Atenas e comprar o livro.

Li o livro de uma sentada, pois ele nos deixa fazer isso sem a sensação de estar perdendo tempo. A hi´stória em si não tem novidade. É até um tanto quanto previsível. Mas o inusitado das situações e a forma como foi narrada merecem destaque.

Para começar, é bom lembrar que o autor não está nem mesmo um pouco preocupado com a onda do politicamente correto. Isso dá um sabor especial à obra, ao fazer com que o vocabulário usado (que será contestado por muitos leitores) tenha uma razão de ser e vá muito além de um modismo pós-moderno. E esse desapego às questões politicamente corretas, associado a algumas excelentes tiradas, deixam o leitor preso ao enredo, mesmo com as muitas digressões - estratégicas - que aparecem ao longo do livro.

As tomadas cinematográficas deixam o texto bastante ágil, embora possam desnortear um leitor menos acostumado a esse tipo de narrativa. Por outro lado, a fusão da literatura com outros elementos da cultura pop, juntando diversos ritmos em uma balada que tem uma sonoridade própria, foi uma boa idéia, uma vez que saiu do tradicionalismo tão constante em nossas narrativas.

Outro detalhe que chama a atenção no livro é a aparente salada que serve de liga para a argamassa textual: uma dupla sertaneja, um detetive/taxista especializado em encontrar cornos, um transexual, Tex Willer, Kabão, Choperia Marcelo e mais uma porção de elementos que aos poucos vão se encaixando em uma sequência divertida e irônica ao mesmo tempo.

A ironia, por sinal, é a marca principal da obra. Essa ironia começa desde a contra-folha-de-rosto, quando o copyright se vê substituído pelo copyleft, até a última página, com o alerta para a curiosidade de alguns leitores para a composição gráfica do livro.

Em suma, Breganejo Blues é um bom livro. Merece ser lido sem compromisso e sem uma preocupação com questões teóricas.

domingo, 20 de dezembro de 2009

LENDO ROMANCES


DOIS ROMANCES INFERNAIS


José Neres


O inferno, ou seus hipotéticos habitantes, é um dos temas recorrentes na literatura desde seus primórdios. Alguns escritores de excelente estirpe já se utilizaram passagens ambientadas no reino das trevas para a composição de suas obras. Nomes como Virgílio, Dante Alighieri, Gil Vicente, Guimarães Rosa e Jean Paul Sartre cravaram nas letras diversas concepções de como seria esse mundo desconhecido. Porém, mesmo sendo algo que povoa o inconsciente coletivo de povos das mais diversas origens, a temática do inferno ainda pode ser considerada um tabu, principalmente para quem põe os dogmas religiosos acima da tessitura literária.

Por se tratar de um assunto e de uma ambientação tão melindrosos, pode causar certa estranheza o fato de que dois romancistas maranhenses contemporâneo tenham, quase ao mesmo tempo, escolhido o inferno como espaço literário de suas narrativas que, ao mesmo tempo, trabalham uma refinada e sutil ironia, com boas doses de bom humor e com cenas que demonstram o domínio dos dois escritores com relação à técnica narrativa.

Quem se interessar pela temática tem à disposição duas obras bastante interessantes: “O Arquivista Acidental”, de Antônio Guimarães de Oliveira, e “O Infinito em Minhas Mãos”, de José Ewerton Neto. São dois romances que enveredam pelos campos do desconhecido, tendo como base os problemas e as dificuldades comuns a todos os habitantes da terra. Em ambas as obras, o leitor facilmente percebe que o interesse maior dos escritores não está em descrever o inferno, mas sim em mostrar que estar vivo pode não ser um privilégio tão grande assim.

Em “O Arquivista Acidental”, Antônio Guimarães traz a história de Arquimedes do Espírito Santo, um funcionário público que, habituado às lides burocráticas, requere a aposentadoria, mas morre na fila, antes de receber o benefício. Ao ser levado para o paraíso, ele dispensa a paz celestial e pede abrigo no inferno. A partir daí as peripécias se multiplicam e, rapidamente, o burocrata pacato, porém revoltado, vai se transformando em um temido, porém desastrado demônio.

Seguindo por um caminho paralelo, José Ewerton Neto cria Eunápio, um homem que mesmo sem grandes pecados, tem sua alma levada para o inferno. Contando com a sorte e com o péssimo caráter de pessoas tidas como idôneas, mas que só pensam no próprio bem, o novo demônio, agora com o nome de Vacele, envolve-se em um turbilhão de acontecimentos que o levarão a questionar as razões da própria existência.

Os dois escritores, cada um com seu estilo característico, acabam revivendo a velha máxima latina do “Ridendo castigat mores” (Rindo, castigam-se os costumes). Eles manejam com maestria a difícil arte de ironizar e de construir sutis alegorias a partir de situações cotidianas que passam despercebidas pela maioria das pessoas. Em verdade, nos dois trabalhos, a imagem do inferno nada mais é do que um pano de fundo para ilustrar os mandos e desmandos que ocorrem cotidianamente em todas as esferas do poder.

Antônio Guimarães utiliza-se da astúcia de transformar um funcionário publico em diabo, com isso, deslinda todos os entraves burocráticos encontrados em uma repartição pública, seja ela no inferno, no céu ou na terra. Por sua vez, Ewerton Neto desnuda a trajetória que leva uma pessoa comum a ser tratada como ídolo, mesmo que sua alma esteja eivada de valores negativos, para isso ele, estrategicamente, centra as missões de seu demônio literário em três figuras tipificadas que transpiram falsidade e malícia: um político, um líder religioso e um autor de auto-ajuda.

No final da leitura dos dois romances, fica uma certeza: apesar das forças demoníacas que entravam as letras, nossos escritores ainda são capazes de transformar o enxofre infernal em prosa com divino sabor literário.





sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

COMENTÁRIO


MERAS COMPARAÇÕES

José Neres

Algo que sempre me impressionou em nossa imprensa é o caderno de esportes. Ma-ra-vi-lho-so! Incrível como nossos jornais acompanham os eventos esportivos... Dependendo do horário em que termina a competição ou premiação esportiva, na edição seguinte do periódico, temos, estampados, em letras garrafais, os resultados, os nomes dos atletas mais destacados e fotos, muitas fotos... A equipe de esportes parece estar sempre preparada para os chamados furos de reportagem. Basta um atleta especular que mudará de clube e lá está a notícia em destaque, geralmente precedida de uma chamada na primeira página. Basta um craque da moda se pronunciar sobre determinado assunto que logo tal comentário é debatido, dissecado, esmiuçado por especialistas no assunto. Tudo em uma velocidade impressionante! Realmente, os cadernos de esporte mostram em suas páginas e entrelinhas toda a velocidade que a imprensa tem quando há um interesse em divulgar as notícias.

Por outro lado, sempre me causou tristeza e estranheza lentidão dos mesmos jornais quando se trata de comentar os eventos culturais locais. Excetuando-se os casos raros (raríssimos, na verdade), os periódicos sofrem de carência crônica de papel e de jornalistas para a cobertura de peças teatrais, lançamentos de livros, resenhas sobre as obras publicadas, divulgação de músicas e filmes que não façam parte do circuito das grandes distribuidoras, palestras, recitais... As páginas tidas como destinadas à cultura costumam ser descartadas aos primeiros sinais de crise econômica ou editorial e, a cada dia, emagrecem a olhos vistos, deixando a impressão de que não há notícias recentes, além daquelas que englobem a mercadológica e lucrativa indústria da cultura de massa.

Nada contra o esporte, o qual considero umas das melhores e mais saudáveis formas de inclusão social, mas se há verbas e profissionais disponíveis para os cadernos esportivos, para os luxuosos e coloridos encartes sobre atores, novelas e personalidades do meio televisivo, se há disponibilidade de espaço para as picuinhas amorosas de atores e atrizes, porque será que falta espaço tempo e dinheiro para falar de arte e de cultura? Será falta de patrocinador? Será falta de público consumidor? Ou será a tal da falta de vontade para com o que não trará lucro imediato? Perguntas sem resposta!

Para ilustrar o que foi dito nos parágrafos anteriores, relembro alguns fatos recentes. Horas depois da já tradicional premiação de “Atletas do Ano”, o Caderno de Esportes fazia uma síntese do acontecimento, detalhando a atuação de cada um dos ganhadores e com direito a um pôster que ocupava as páginas centrais do encarte. Semanas antes e um dia após a referida festa esportiva, houve a III Feira do Livro de São Luís e dois lançamentos coletivos das obras vencedoras do Concurso Literário Gonçalves Dias. Sinceramente não me lembro de ter encontrado em nossos jornais um destaque significativo para tais eventos. Não me recordo de ter visto uma cobertura aprofundada a respeito dos participantes da Feira ou dos lançamentos, nem mesmo de ter visto a fotos dos palestrantes ilustrando artigos relativos ao assunto.

Alguém poderia argumentar que os escritores reunidos não tinham renome nacional, que poucos eram conhecidos além dos limites da província natal. Mas essa ideia esbarra na constatação de que os atletas que tiveram ampla cobertura, com direito até a cupons para votação durante dias e dias, também não são conhecidos da maioria do público leitor dos jornais. Indicados por suas respectivas federações, alguns guerreiros do esporte saíram da premiação sobraçando o troféu, mas ainda continuavam e continuam com seus feitos praticamente desconhecidos até mesmo quem preencheu o formulário de votação sem ter noção sobre as reais habilidades dos concorrentes. Mesmo assim, auditório estava lotado, para o bem do esporte.

Por outro lado, na segunda parte do lançamento do Plano Editorial da SECMA, realizado no Museu Histórico e Artístico, mesmo com a presença da “nata intelectual”, como assinalou o Secretário Luís Bulcão, e de autoridades políticas, o público não foi suficiente para lotar o recinto. Também não me lembro de ter visto os escritores perfilados para uma foto oficial que fosse ilustrar as páginas centrais de um caderno cultural dos próximos dias.

Mas o importante é sempre ter em mente que Esporte e Cultura são essenciais para a formação de um povo e que, com ou sem divulgação, continuarão seus caminhos em busca da divulgação de seus valores.

OBS: É importante destaca o esforço do editor e escritor Alberico Carneiro, que em seu suplemento, tenta resenhar as obras publicadas nos eventos literários de nossa cidade.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

TRÊS POEMINHAS




Na falta do que fazer, brinco com as palavras..............

sábado, 5 de dezembro de 2009

UM EXCELENTE PROSADOR

A CORTANTE PROSA DE JOE ROSA
José Neres


É comum ver-se em filmes e/ou documentários a cena em que uma pessoa, deitada em uma cama, apresenta o corpo marcado por linhas que facilitarão o trabalho do profissional encarregado de proceder à cirurgia. Aos poucos, o bisturi rasga o tecido e o sangue aflora à pele. Anestesiado, o paciente parece não sentir a dor e, depois, a ferida é costurada. Em seu lugar restará apenas uma pequena e às vezes imperceptível cicatriz.

Na literatura, há também escritores que conseguem tecer seus textos com a mesma destreza e precisão com que um habilidoso cirurgião faz suas incisões nos corpos dispostos a sua frente. No trabalho de tais escritores, cada linha é um corte; Cada parágrafo, uma sutura. Mas, em muitos casos, a intenção do artista não é disfarçar as cicatrizes sociais, mas sim expô-las. É o que faz, por exemplo, o escritor mineiro radicado no Maranhão, Joe Rosa.

Dono de um estilo que traz as marcas das obras pós-modernas, que prezam pela agilidade narrativa e pelo ritmo cinematográfico, Joe Rosa publicou um volume de poesia intitulado “Nem Tanto”, dois romances: “O Gosto Amargo da Cereja” e “Sol para Quartos Mofados”, além do livro de contos “Um Brinde aos 40”. Em seus livros voltados para a prosa de ficção fica claro que o interesse do autor é fazer um corte com precisão cirúrgica em alguns aspectos da sociedade, usando como anestesia o sarcasmo e boas doses da mais pura ironia.

Em “O Gosto Amargo da Cereja”, o autor traz à cena uma discussão sobre a AIDS. Tal tema, nas mãos de um escritor inexperiente, poderia descambar para um mero panfletismo dogmático e sem profundidade artística. No entanto, Joe Rosa, conduzindo habilmente um enredo que mescla momentos de tensão com situações capazes de levar o leitor a boas gargalhadas, ao mesmo tempo em que alerta sobre os perigos da silenciosa doença, também desmistifica a noção de grupo de risco. Inteligentemente, ele coloca como protagonista um homem culto, com formação superior, casado, heterossexual e detentor de conhecimentos da área médica, mas que, aos se deparar com a ameaça de estar infectado pelo vírus HIV, é tomado pelo Pânico e se envolve em uma rede de mentiras. A mensagem ultrapassa o limite das linhas e das entrelinhas, deixando claro que todos nós podemos passar pela mesma desesperadora situação.

No outro romance, “Sol Para Quartos Mofados”, uma profusão de temas, como velhice, prostituição, adultério, ganância, violência, vingança e religiosidade, gravitam em torno do núcleo narrativo. O autor utiliza uma técnica bastante apurada que o leva a dividir a história geral em dois pólos aparentemente isolados, mas que confluem formando um conjunto bastante harmônico, uma verdadeira bifurcação de micronarrativas desaguando em uma macronarrativa bastante articulada. No final, as partes se encaixam perfeitamente dentro de um sistema que pode parecer estranho para quem não está acostumado com as narrativas mais modernas.

No volume de contos, Joe Rosa não esconde suas influências literárias e também demonstra saber caminhar também pelas trilhas da narrativa curta. Trata-se de um livro bem construído que, à moda de Rubem Fonseca, João Antônio e Plínio Marcos, disseca o cotidiano de pessoas comuns, que buscam um significado para a própria existência.

Não importa o livro escolhido para começar a ler Joe Rosa. Em qualquer um deles os fãs da literatura encontrarão motivos para mergulhar nas outras obras do autor e, quem sabe, se, nesse mergulho, não encontrem a marca de alguma cicatriz do próprio passado.